Sunday, August 28, 2011

56 - In Limbus Patrum

Limbo (videogame)
Após um período de afastamento relativo, voltar “à terra” necessita um ajustamento aos pólos da psique nacional, as metáforas religiosas e futebolísticas. Juntando as analogias médicas, para os mais velhotes, com uma dose de sarcasmo e outra de seriedade. Fora disso, as notícias que enchem os media têm pouco interesse, ou por serem tão previsíveis como a implementação dos acordos com a “troika”, ou por apenas servirem a fatuidade de quem precisa de estar visível para existir, ou por a “silly season” já se ter tornado permanente.
O limbo dos adultos  
Começando pela metáfora religiosa, Portugal encontra-se nestes tempos no chamado “limbo dos adultos”, uma invenção teológica tão irracional como o "céu" e o "inferno" entre os quais supostamente se situa. Como convém a uma nação maioritariamente supersticiosa, a qual não teve mérito suficiente para ganhar o céu, mas que não terá culpas assim tão graves que justifiquem uma descida directa ao inferno.
Os sacerdotes de Mamon
Aqui estamos, financeiramente falidos, tentando heroicamente cumprir as penitências imposta pelos sacerdotes de Mamon. Sabemos que é absurdo esperar que as sangrias dos impostos fortaleçam o crescimento económico, mas confiamos que ao menos as dietas das administrações do estado curem a obesidade e que as purgas dos serviços sociais limpem o sistema de parasitas. Um penitente em risco de vida, que só o oxigénio dos empréstimos atabalhoados permite esperar pela salvação dos transplantes europeus que já tardam demais. Porém, se morrer morre curado, exorcizado e convertido numa alma penada que se juntará ao coro das tragédias gregas.
O Governo não é uma selecção nacional
Passando à metáfora futebolística, é preciso aceitar o facto de que o Governo não é uma selecção nacional. Contrariamente aos regulamentos da FIFA, os melhores jogadores nacionais não têm que jogar na selecção do governo. Podem continuar no conforto dos seus clubes, uns porque não foram chamados e outros porque não quiseram, por boas ou más razões pessoais. Mas mesmo não podendo ser nunca uma selecção absoluta dos melhores, não deixa de ser a melhor equipa nacional que foi possível reunir. Aqui e agora. Mesmo sem pôr bandeiras nas janelas, temos que “torcer” para que ganhe.
A liga europeia
Primeiro, porque jogamos numa liga europeia em cujos árbitros não podemos confiar, porque são também capitães de equipas nacionais. A União Europeia está a ser governada por um directório de amanuenses, numa altura em que se precisava de estadistas com o voluntarismo e a visão para agarrar o oportunidade desta geração. A seguir aos “pais” que foram construindo a Europa após a ultima guerra e depois com a tendência da sua extensão até aos limites do continente, é criminoso não avançar agora para a evolução natural duma verdadeira união fiscal, económica e finalmente política.
O campeonato mundial
Além deste, há também um campeonato mundial, com algumas regras de convivência estabelecidas progressivamente por tratados e organizações internacionais. Mas essas regras são pouco e mal cumpridas. São uma selva com alguns trilhos demarcados, fora dos quais há predadores e presas jogando com armas desiguais, onde alguns ganham e muitos perdem.
Os atavismos
Embora não sirva de nada, era bom ter o conforto psicológico de ainda acreditar nas invocações crédulas para que os deuses nos ajudem a ultrapassar as dificuldades: “Kyrie, eleison”, como nas memórias da infância. 
Assim acabam estas cogitações... no sítio onde começaram.
JSR

Thursday, August 18, 2011

55 - Estas Crises Que Nos Tolhem

Rockefeller Center
Attilio Piccirilli's Commerce and Industry
Quando num aperto, e estas crises tolhem-nos entre apertos de muitos lados, é indispensável ganhar altitude para pôr as dificuldades em perspectiva. Só assim é possível avaliar correctamente as situações e escolher caminhos de saída.
Cada época tem as suas características e cada geração tem os seus problemas. No século XX passámos dum mundo que tinha sido eurocêntrico durante muito tempo, para um mundo que se tornou americano-cêntrico. Com a mundialização, o século XXI tornou-se tendencialmente multi-polar, mas duma forma irregular e desigual, o que é a causa de algumas das crises que atravessamos.
A globalização tende a uniformizar a concorrência global das matérias primas, dos produtos agrícolas e manufacturados. O ferro, o trigo, as calças ou o telemóvel produzidos por trabalhadores explorados em regimes totalitários, “competem” com produtos semelhantes originários de países onde os trabalhadores têm direitos democráticos e salários negociados por sindicatos. Competição não é a palavra certa para a transferência de empresas, capital e trabalho, que isto ocasiona dos países desenvolvidos para os países em desenvolvimento. Como consequência, os salários e outros benefícios têm que se ajustar pelos níveis mais baixos, com a consequente perda de qualidade de vida nos países mais afectados.
Os Estados Unidos continuam a ser a única super-potência, o ponto  de referência e de imitação. Mas uma hegemonia sob controle democrático, dificilmente impõe um imperialismo ideológico ou uma exploração colonial eficaz e duradoura, como outras potências fizeram até a um passado recente. Pelo contrário, acreditando que a paz e o sucesso do comércio mundial são as duas faces da mesma moeda, arruínam-se como polícias do mundo. Garantem a segurança de várias zonas geográficas mas aceitam que muitos países, particularmente o Japão e os Europeus, aproveitem a protecção sem contribuir para os custos com uma parte proporcional às suas capacidades e interesses. Mas tudo tem um preço, político e económico. Em troca, é sempre potencialmente ruinoso ir contra os interesses vitais Americanos, o dólar é a moeda de reserva mundial e os USA reduzem os seus deficits através do aumento da massa monetária em circulação e consequente desvalorização cambial, que são formas de fazer os outros países contribuírem. Mesmo assim, os USA atravessam crises de confiança política e económica na federação, e as instituições federais têm que ajudar estados e cidades em bancarrota.
A Europa recuperou das lutas fratricidas e da perda dos impérios coloniais, iniciou um processo de unificação pacífica sem precedentes de forma a tentar manter uma influência nos negócios do mundo proporcional ao que é o maior bloco económico da actualidade. Porém, uma união pacífica resulta de decisões democráticas dentro de cada pais (sempre que não é possível evitá-las) e entre os países (embora uns sejam mais iguais do que os outros), o que é a sua força, a sua fraqueza e a razão da lentidão, das diferenças e das indecisões. As diferenças culturais entre estados provocam ou revelam tendências isolacionistas nuns, egoísmos noutros e ressentimentos nos restantes. É difícil o entendimento entre os que têm uma maior ética de trabalho, produção e poupança e os outros menos rigorosos, menos produtivos e mais esbanjadores. Estas “falhas sísmicas” tornam inevitáveis as crises de crescimento, a separação em círculos concêntricos de integração, as decisões bipolares.
Os países emergentes, os BRIC que vão saindo do subdesenvolvimento político, social e económico, os que beneficiam de alguma maneira da globalização, querem progressivamente conquistar uma influência proporcional ao peso da sua população, do potencial do seu mercado interno e da sua capacidade exportadora, das suas reservas monetárias ou de matérias primas. Todavia, são por enquanto gigantes com pés de barro, balões que incham com muito ar e pouca substância. A China consegue falar com a voz única dum regime totalitário, que reprime ambições legítimas de melhor qualidade de vida dos habitantes e esconde as diferenças abismais entre classes e regiões. A Índia é um mar de correntes confusas e supersticiosas, sobre as quais flutuam classes tribais profundamente corruptas que dominam a politica, a sociedade e uma economia selvagem. A Rússia transformou-se num estado mafioso. O Brasil é o único destes países cuja evolução lhe poderá permitir integrar a médio prazo as sociedades ocidentais.
No resto do mundo, cada região tem os seus problemas e cada pais é um caso, aproximando-se ou afastando-se dos grupos mencionados acima, com capacidades e características variáveis, bons exemplos mas sem grande influência e maus exemplos por vezes com enormes energias destrutivas. Por enquanto fazem apenas parte da paisagem, paisagem inter-activa, mas só paisagem mesmo assim.
Estas últimas crises não são só financeiras, nem só económicas, nem só politicas, nem só Portuguesas, nem só Europeias, nem só Americanas. Estas crises são tudo isso, têm várias origens, são também mundiais e estruturais, estão para durar e como todas as crises anteriores vão ser mal e incompletamente resolvidas.
Mas este é o mundo em que nos calhou viver. Cada um de nós, individualmente e como cidadãos, temos que tirar o melhor partido possível das oportunidades que se nos deparam e, se possível, ter a inteligência de não repetir erros passados.
JSR

Thursday, August 11, 2011

54 - Os Bárbaros que Ajudámos a Criar

Define "slave"...
A barbaridade, no sentido do que está fora da civilização, tem no mundo aspectos diversos que vão do trágico ao risível, dos genocídios à proibição das mulheres guiarem, dos que morrem de fome aos que provocam motins em cidades de abundância para assaltarem as lojas e roubarem os últimos gadgets electrónicos. Como em Londres, agora.
Fora do eixo das democracias, o próprio conceito de civilização tem variações que vão desde os povos que ainda se encontram na idade da pedra, passando por todas as gradações evolutivas ou pelos atrasos provocados por ideologias e superstições. Mas, relutantemente ou não, o caminho parece apontar para uma evolução mais ou menos lenta, mais ou menos crítica, para os padrões ocidentais.  
São estes padrões que têm vindo a mostrar desde há algum tempo a fragilidade das suas instituições e a profundidade da sua decadência.
Os anos que se seguiram à última grande guerra foram tempos de recuperação económica, de fuga à pobreza, de expansão da democracia e da liberdade. Queríamos sociedades com mais oportunidades para todos e mais justas na distribuição social dos benefícios do crescimento económico. Em resumo, os nossos pais, que sofreram a guerra, quiseram que nós vivêssemos em paz e que os nossos direitos individuais fossem respeitados, nós quisemos que os nossos filhos tivessem igualdade de oportunidades e que os nossos netos conhecessem a prosperidade.  
Neste processo fomos legislando impensadamente e com boas intenções permitimos a criação duma nova classe de bárbaros do interior.
Para que ninguém mais passasse fome e frio, onde antes para sobreviver era preciso aceitar qualquer trabalho, até as crianças, e habitar onde fosse possível, até em barracas, o estado concedeu subsídios diversos e habitações sociais. E alguns concluíram que era agradável viver sem trabalhar, que a legislação lhes dava esse direito sem os deveres e obrigações associadas.
Para que houvesse igualdade de oportunidades era preciso que todos pudessem ter acesso ao ensino, o estado multiplicou escolas mas diminuiu a exigência do esforço individual e o rigor da avaliação nos exames gerais. E alguns concluíram que era possível obter diplomas sem estudar e que um diploma da treta tinha que dar direito ao rendimento duma sinecura ou a um parasitismo disfarçado.
Com a competição consequente à globalização, diminuíram também as categorias de trabalho manual e indiferenciado onde se arrumavam os que, apesar de todas as oportunidades, não tinham a capacidade para adquirir outras competências.
Para complicar a situação, vieram gentes de outros lados do mundo, antigas colónias, países em guerra, fugindo ao subdesenvolvimento e à opressão. Imigrantes que, os mais educados e trabalhadores se integravam, e os outros se juntavam ao parasitismo em expansão.
À medida que o produto do trabalho e os impostos iam diminuindo, os governos de alguns países escolheram a facilidade de se ir endividando para manter as protecções sociais.
Depois vieram as crises e o dinheiro fácil e barato começou a faltar aos estados. E alguns concluíram que era injusto que deixassem de ter acesso a tudo aquilo a que se tinham habituado, mais o que viam e cobiçavam, sem nunca se importarem com quem efectivamente pagava as contas.
E têm-se revoltado. Os “casseurs” dos arredores de Paris, os anarquistas de Atenas, os ladrões e saqueadores de Londres. Estes e outros são criminosos que tomam alento com a timidez da polícia, com a fraqueza das leis, com a ausência de justiça, com a falta de firmeza das sociedades decadentes.
Estes motins não se podem nem devem confundir com fenómenos de sociedade como Maio de 68 em Paris ou os direitos civis nos USA, com conflitos de terrorismo atávico como os irlandeses do IRA ou os bascos da ETA, ou com revindicações de carácter social e pacífico como a “geração à rasca” em Lisboa ou “os indignados” em Madrid.
Porque esta gente está no grau zero da civilização ou da sua ausência. Barbarismo primário dos intervenientes, das suas famílias irresponsáveis, das suas comunidades sem valores aparentes de espécie alguma.
Em menores proporções estes tumultos civis já chegaram ocasionalmente a Portugal, juntamente com a criminalidade organizada, tanto a indígena como a de importação estrangeira. Em tempos de crise tudo se amplifica de forma exponencial.
Pelourinho
Ou a legislação, a justiça e o governo através das forças policiais adequadas, tomam a tempo as medidas necessárias, ou as consequências são previsíveis em custo económico e social. 
  Perdem-se investimentos, estrangeiros residentes e turistas. Perde-se confiança na protecção estatal e nesse caso até é possível que as populações locais voltem a dar uso aos pelourinhos medievais, para “escarmento dos energúmenos”...
A verdade sem desculpas ou teorias de pacotilha é uma coisa que incomoda. O que vale sempre a pena desde que o incómodo seja seguido de acções consequentes.

JSR

Monday, August 1, 2011

53 - Ubi es Britannia? (letter to The Economist)

Ridicule kills...
Sir,
Your leader on the absence of leadership in the West is, indeed, frighteningly to the point. However, your paper being based in the UK, you could helpfully address the remarkable absence of your own country from participating in such leadership.
Where is Britain, when Europe would need all its members’ political, economic and financial wizardry? Absconding as usual, this time probably in Hogwarts, of Harry Potter’s fame...
Good papers, and none better than The Economist, are prodigal in comments and advice from the sidelines, schadenfreuding over the problems of the Euro, while berating UK's anemic economy. When Churchill famously said that his mother’s America always did the right thing, but only eventually and after exhausting all the other alternatives... he may have been inspired by his father’s country too.
While I was growing up after the war in several parts of the world (Europe, Asia, Africa), the UK was seen as an example of democracy and justice, although self centered and egotistical, reassuringly predictable in the manner of always subordinating everything to its mercantile interests.
Then time passed and in many ways the world changed, colonial powers vanished and a new international order was established. Meanwhile, the UK has sat out of the European Community and divided Europe by creating EFTA, until isolation hurt its economic interests enough to force its government to “cry uncle” and brave De Gaulle’s resentful scorn. Now, it’s sitting outside the Euro, depriving the common currency of the expertise and support of The City of London.
During many years of working for a multi-national company (IBM Corporation) and several international organizations (IMF, OECD, UNU), I met many remarkable people, but cannot recall being impressed by any British leader as having a true international statesman standing. I often wondered why the British, for all their traditional political and business cunning, were fighting below their weigh in international affairs. Why is Great Britain retreating into its shrinking shell, instead of contributing fully to Europe's nations only chance of having a say in the world’s future, i.e. together?
Unfortunately, this is a time of weak and disoriented European leadership, with backroom deals made on the sly. The contributions of countries like the Scandinavians, Switzerland and of course the UK, with strong democratic and economic credentials, are missed. The atavistic sentiments of fear and isolationism demonstrated by their peoples, or the misguided appeal of financial profiteering from being on the outside, are self-destructing and resented by their peers.
JSR