Friday, May 24, 2013

163 - Ainda há Socialistas Competentes na Europa

Começam a tornar-se raros, mas ainda sobram uns quantos, daqueles que ajudaram a lançar a união dos países europeus, a começar a fazer uma Europa que possa resistir à globalização sem perder os seus valores.
Gerhard Schröder, antigo chanceler da Alemanha e Jacques Delors, antigo Presidente da Comissão Europeia, contribuem agora com os seus conselhos - num artigo no International Herald Tribune - para que o investimento no futuro de todos, não se perca pela incompetência de alguns.
É um artigo oportuno, sobre as relações entre a democracia, o emprego e o crescimento na Europa. Particularmente quando socialistas de vários países, por ignorância, hipocrisia ou tacticismo político de vistas curtas, confundem as causas e as consequências da crise económica. Por um lado, esquecem-se que sem as reformas nacionais dos respectivos estados sociais, estes não conseguirão sobreviver; que sem o equilíbrio entre receita e despesa, nenhum país tem credibilidade; que os parceiros da União já definiram claramente e por tratado, que nenhum país pode esperar viver de transferências financeiras à custa dos outros. Por outro lado, por muito gravosas que sejam as consequências para as pessoas, para as famílias e para as empresas, provocadas pelo desemprego, pelas reduções de salários, pelos aumentos de impostos, pela redução do consumo interno, usar este pesadelo como chantagem - sem ter nenhuma alternativa racional - contra as medidas que tentam resolver as causas destes problemas, é duma grande falta de responsabilidade.
Como escrevem Schröder e Delors, a crise dos últimos anos empurrou a Europa para uma maior integração:
“The economic turmoil of the past several years has pushed Europe toward greater integration, starting with financial stabilization and a banking union that is still a work in progress. Everyone now recognizes that a single currency zone without a common fiscal policy invites the kind of crisis we have all been experiencing. Europe has reached this stage grudgingly and with great strain, through agreements among national government leaders in which many see the largest and most powerful states as undemocratically foisting their policies on the rest. (…)”
Todavia, começam a aparecer partidos e movimentos que acreditam em soluções e nacionalismos retrógrados: 
"We are now seeing the worrying rise of political parties and movements whose supporters seem to think nationalist assertion will free them from the common imperatives of governing Europe, or who believe protectionism will enable them to escape addressing Europe’s lack of competitiveness. (...)”
As lições que se devem aprender das reformas que já tiveram lugar na Europa, são: primeiro, que estas levam tempo para produzir resultados, o que pode ser problemático para políticos que enfrentam eleições; segundo, as reformas estruturais só funcionam com crescimento e a Alemanha deve agora ajudar os países em dificuldade que fizeram progressos na restruturação das suas finanças, como Portugal, caso contrário as economias nacionais correm o risco de serem estranguladas pela austeridade:
"There are several lessons to be learned from the reform efforts we have seen so far in Europe. First: There is a gap between the time the painful decisions are made and the time when the reforms take effect. This can — as in Germany — take up to five years. It can be problematic for politicians when elections take place during this time span, as we’ve just seen in Italy. Second: Structural reforms can only work in conjunction with growth. (…) Germany must now give its European partners this same opportunity. Greece, Ireland, Portugal, Italy and Spain have made progress in restructuring their finances. Cyprus will also have to go this route. The economic and political situation in these countries also shows that savings alone is not a means for overcoming the crisis. On the contrary: There is a risk that national economies will be quasi-strangled by the strict austerity policy." 
Há necessidade de solidariedade entre os parceiros europeus, assim como há compatibilidade entre austeridade e crescimento:
"To the degree that they are making structural reforms, they also need help, as these countries show. There must always be a correlation between the willingness to engage in structural reforms on the one hand and the willingness to show solidarity on the other. There is no ‘either growth or austerity.’ We are convinced that the two can be combined in a meaningful way — they must be combined. We need budgetary discipline; we need structural reforms; but we must also add growth components to the austerity program. A key area here is the fight against youth unemployment in Europe. We cannot accept that a “lost generation” is growing up in Europe because in many countries more than half of the young people are without jobs. European leaders attending the Berggruen Institute’s ‘town hall’ meeting in Paris on Tuesday will address this issue with a proposed “new deal for Europe.” This is where the responsibility of the German government can come in. (…) Therefore, we need a large-scale program to tackle youth unemployment in Europe. (…)" 

As próximas eleições para o Parlamento Europeu darão aos cidadãos uma voz no nosso futuro comum. Pela primeira vez o Presidente da Comissão será eleito pelo Parlamento, o que lhe dará uma nova legitimidade democrática:
"Beyond this, the May 2014 elections for the European Parliament present the opportunity to give all European citizens a voice in our common future. For the first time since the founding of the EU, the strongest parties of the new Parliament will be able to select the executive leadership of Europe — the president of the European Commission. (…) If European citizens participate robustly in this election, the new commission president will have the same democratic legitimacy accorded any national leader in a parliamentary system. The vacuum of authority that has existed at the European level because legitimacy was lacking — and thus the incapacity to take effective action on behalf of all European citizens — will be filled. (…) Europe can work again if governments, trade unions, business and civil society all join together to support a new initiative on youth unemployment and the 2014 efforts to bring greater democracy and legitimacy to European government."
O artigo termina com a evidência que a Europa pode voltar a funcionar se os governos, os sindicatos, as empresas e a sociedade civil se juntarem para apoiar o nova iniciativa para o emprego dos jovens e 2014 trouxer mais democracia e maior legitimidade ao governo Europeu.
JSR

Sunday, May 12, 2013

162 - As Reuniões dos “Antigos”

(Vêm estas considerações a propósito da reunião dos antigos alunos do Liceu de Setúbal, no passado dia 4 de Maio de 2013).
As reuniões de “antigos” qualquer coisa, provocam sempre estranhos sentimentos. Que já não somos aquilo que fomos, alunos de Liceu, colegas de Faculdade, companheiros de armas ou de outra actividade. O que quer que tenha sido, já não é, mas a reunião indica que os participantes conseguiram sobreviver o tempo suficiente para poderem olhar para traz e fazer o balanço.
Reuniões...
De todas estas reuniões, as dos antigos alunos do ensino secundário são certamente as mais comoventes, sobretudo quando juntam colegas que se tinham perdido de vista desde há meio século ou mais. Comparar evoluções e experiências neste caso é sempre fascinante. Os outros tipos de reunião já são por natureza menos inocentes, já estão demasiado contaminados pela competição de interesses profissionais, por hierarquias sociais, ou pela partilha de experiências comuns, exclusivas e em circunstâncias especiais.
Por isso essas reuniões começam com a alegria de nos imaginarmos uns aos outros como fomos, continua com a nostalgia da juventude que passou sem regresso e acaba com a realização que nos resta pouco em comum. Crescemos mentalmente de forma diversa e tornámo-nos em estranhos de nós próprios, que nem sempre se reconhecem no espelho do olhar dos outros nem na imagem que guardamos na memória.
...e tempo de balanço
Ao fazer o balanço do último meio século, é extraordinário o que se passou neste país, no mundo e nas consequências para cada um. A emigração dos camponeses e o exílio dos políticos, a guerra colonial e a revolução começada em 1974. A expansão económica e a influencia cultural americana no rasto das guerras que outros começaram. A guerra fria e o perigo nuclear. O Vietname e Woodstock. Maio de 68 em Paris. Um Russo em órbita terrestre e dois Americanos na Lua.
Chegaram o fim dos impérios coloniais e o fim das ditaduras na Europa do Sul. A queda do muro de Berlim e a desagregação soviética. A progressiva união dos países europeus. A generalização das guerras locais e do terrorismo. Os estertores extremistas do islamismo (a última grande religião a proteger pela violência o seu capital de ignorância diante do avanço da razão e do progresso). As crises do capitalismo global, as grandezas e as misérias dos estados sociais.
A vida que passa...
Na vida de cada um, as diferenças podem parecer grandes mas são realmente superficiais. A mesma luta por um lugar ao sol, para sobreviver aos obstáculos, encontrar o seu caminho, partilhar as experiências, possivelmente criar uma empresa e uma família. Na hora do balanço, olhar para trás com mais ou menos felicidade e medir o tempo percorrido com as marcas deixadas nos outros.
Distinguem-se as pessoas, como os países, entre os que se afogam nos acontecimentos negativos, enquanto outros os ultrapassam e conseguem manter um balanço positivo. São os primeiros que mais tarde se apercebem de quando foram felizes sem darem por isso. Os segundos olham para os desastres passados como provas de sobrevivência que sempre fizeram parte de todos os percursos e que é preciso ultrapassar.
...vale sempre a pena
O sucesso pessoal é sempre relativo às expectativas que se criaram quando se pensava que tudo era possível e à realização posterior de que a vontade pode ser grande mas o tempo é sempre curto. Mesmo que se empurre os limites para além do normal, da média, os limites acabam sempre por ganhar. Cada etapa tem um fim e chega sempre o fim de todas as etapas.
E aqui nos encontramos, a comparar as histórias de cada um, que com mais ou menos cor e movimento neste ou naquele período, chegam sempre ao cinzento que começa por nos invadir o aspecto exterior e acaba por nos devorar o espírito. Para todos, por igual, tudo acaba, subitamente ou aos poucos.
Agradecimentos
Finalmente, uma palavra de agradecimento para quem organiza as reuniões. Todos os que participam ficam em dívida para com estes guardiões da memória, que actualizam os ficheiros, mantêm os contactos, combinam datas, negociam lugares, recebem as participações, pagam as contas, por vezes ficam com os prejuízos e ocasionalmente ainda têm que aturar alguns descontentes...
Porque a reunião poderia ter acontecido num lugar mais tranquilo, porque poderia ter sido à beira-mar, porque... É certo que é sempre possível fazer melhor. Mas quando se tomam decisões, tomam os que lá estão, os que trabalham. Para estes o reconhecimento devido e para os outros um encorajamento para que avancem com as boas ideias a tempo e horas. Para a próxima vez... com os desejos que ainda cá possamos estar todos nessa altura.
JSR

Tuesday, May 7, 2013

161 - As Mulheres da Fonte Nova

Alice Brito escreveu, com este título, um romance interessante para os leitores em geral e de contexto especial para alguns. Para estes, são histórias e costumes dum passado ainda bem presente na memória, de um lugar diferente por tantas razões que é difícil decidir por onde começar e até que ponto recuar no tempo.
As mulheres pertencem ao largo da Fonte Nova, como a Fonte Nova pertence ao bairro de Troino, como Troino pertence à cidade de Setúbal, como Setúbal pertence ao conceito de anti-capital por natureza. Porto, feitoria de povos mediterrânicos, entreposto atlântico, mais cidade-estado nas suas raízes históricas do que outra coisa.
Na época descrita no romance, do princípio ao meio do século XX, eram ainda visíveis os genes populacionais, as ruínas arqueológicas e as inscrições, deixados pelos povos do mar, tanto ou mais do que os vestígios do fluxo e refluxo dos impérios.
Para quem não conheça a cidade de Setúbal, o seu carácter revela-se por duas personagens históricas que aí viveram pouco, mas aí se definiram: D. João II e Bocage. D. João II casou nesta cidade, onde mais tarde assassinou o cunhado para acabar com as conspirações com Castela e onde tomou algumas das decisões que o tornaram no rei mais importante da história de Portugal. Bocage, um dos maiores poetas portugueses e certamente dos mais complexos, o mais sarcástico em relação às autoridades civis ou religiosas, e o mais recalcitrante aos costumes e normas sociais.
A ficção deste livro, obviamente de inspiração biográfica, é dialogada com uma consciência crítica, as personagens podem ser inventadas (são mesmo?) mas num contexto de figurantes reais e os acontecimentos podem ser romanceados mas (a maior parte?) são baseados em factos reais. Os lugares descritos, sobretudo o próprio Largo da Fonte Nova e ruas adjacentes, o bairro de Troino, o tempo, a atmosfera, os tipos humanos, todas essas coisas eram vistas de perspectivas diferentes de acordo com o género e os interesses dos habitantes.
A autora, tal como as mulheres que descreve, revela um sentido agudo de consciência social, de como funcionavam os preconceitos contemporâneos e a ubiquidade de coscuvilhice das comadres. Por um lado, a pobreza de muitas famílias dependentes das incertezas da pesca e do trabalho nas fábricas de conservas, assim como o papel da caridade e da incipiente assistência praticadas na época. Por outro lado, as relações de dependência quase feudal entre o povo e a pequena burguesia local, sobretudo a fabriqueira. 
Outros olhos viam outras coisas, ou as mesmas coisas de forma diferente. Viam uma gente de auto-suficiência feroz, de disciplina marítima na obediência aos arrais dos barcos, homens gregários e querelentos em terra, desconfiados de bufos da polícia política de então, a quem deixavam a sobrevivência curta e os corpos do delito no meio do mar. Contavam-se as histórias, mas nunca havia provas. As mulheres pediam perdão na igreja pelos pecados dos homens, que esperavam nas tabernas...
Podia-se viver no bairro e só o conseguir penetrar mais profundamente por eclipses: a visita à rua do Castelo para saber porque um colega tinha faltado ao Liceu (estava com paludismo, sim, ainda havia), a ida ao convento do Viso (após inquérito duma tia-avó na capelista) levar dinheiro e pertences a uma antiga criada que desaparecera subitamente (juntara-se com o leiteiro... aquele que transportava as bilhas de bicicleta), ou as expedições de acompanhamento (mais ou menos forçado) às meninas de S. Vicente que regularmente distribuíam roupas e comida aos mais necessitados.
Esse tempo passou definitivamente, como passaram as pessoas, como passam as épocas, como muda a alma que ocupa temporariamente os lugares e as coisas. Desapareceu o pequeno comércio tradicional, multiplicaram-se os restaurantes, num ou noutro dos quais se continua a comer o melhor peixe e marisco do mundo, tudo isto temperado por uma boa dose da nostalgia ambiente.  O romance acaba de forma um pouco elaborada, reflectiva e definitiva. Tinha que ser, porque a nostalgia tem que ter limites, mesmo num bom livro.
JSR