Saturday, March 30, 2013

154 - O Regresso ao “Voodoo” Político

Talvez valha a pena começar este post por uma “declaração de interesses”, neste caso mais propriamente uma declaração de ausência de interesses. Qualquer partido ou coligação de partidos que esteja no governo, tem uma margem muito estreita de autonomia na sua obrigação de tomar as medidas necessárias para satisfazer os credores e evitar a bancarrota total. Qualquer partido na oposição, tem que prometer aos eleitores “as setenta virgens de Alá” para ganhar votos. Tanto a governação como a oposição, podem ser mais ou menos inteligentes nos seus papéis. Para um observador isento, esta governação tem sido mais equilibrada do que a oposição.
O regresso de Sócrates, Jorge Coelho e outros, às grandes missas televisivas, coincide naturalmente com o facto de que este país chegou ao grau mais baixo do misticismo político pateta. A realidade deixou de ser realidade e muitos preferem viver numa terra do faz de conta. As cabeças comentantes acreditam nas suas próprias especulações e já não distinguem facto e ficção. Nesse universo paralelo o governo vai cair porque há manifestações na rua, porque foi entregue uma moção de censura no parlamento, porque o tribunal constitucional chumbará duas rubricas do orçamento, porque... porque sim.
Sócrates, um dos mestres contemporâneos do “voodoo” político, é naturalmente atraído a este terreiro das benzeduras, onde as galinhas sem cabeça  correm desaustinadas no meio de encantamentos e sortilégios. Com maioria no parlamento, o “voodoo” das moções de censura só funcionaria como “mau olhado” e só para quem acredita nessas baboseiras. Se calhar pensam que como o actual primeiro ministro vem de Massamá, terra dos “grandes feiticeiros africanos” que metem papelinhos nas caixas do correio a prometer “arranjos” para problemas de amor e dinheiro, o desgaste psicológico pode funcionar. Esperemos que não funcione, porque num temporal qualquer comandante de navio é melhor do que um comité.
O antigo primeiro ministro foi estudar para Paris durante dois anos, mas não aprendeu nada nem esqueceu nada, como dizia Talleyrand dos emigrados que tinham fugido da França durante o período revolucionário. Como o homem não é estúpido, representa muito bem o papel do idiota que continua a acreditar que o país não estava falido, que as estatísticas se podem manipular sem verificação, que gritar mais alto que os outros os convence em vez de os hostilizar. Como é que os jornalistas que o entrevistaram se deixaram maltratar e reduzir a meros compères duma má comédia, não se percebe, a menos que... Será espírito de missão?
Hoje no Expresso, o feiticeiro emérito do “voodoo” nacional, achou a prestação “brilhante”. Não há como um vendedor de ilusões para reconhecer o talento de outro. Ambos defraudaram as esperanças dos crentes e os cofres do estado, mas nada os faz calar, nem o ridículo. 
Já a volta de Jorge Coelho à vida política é mais óbvia: sai da toca da Mota-Engil a mando do dono, o sumo-sacerdote dos Espíritos, para defender os vários interesses da corporação, tais como as rendas excessivas das PPP’s e outras coutadas protegidas. Benesses postas em perigo pelas equipas dos ministérios das Finanças e da Economia, que começam a morder as canelas dos interesses económicos, maçónicos e outros menos confessáveis, que efectivamente mandam no estado. O governo é apenas mais um intermediário a prazo, como são os partidos, os tribunais e outras instituições supostamente independentes.
Todas as histórias têm a sua moral. Aconteça o que acontecer, o circo tem que continuar.
JSR

Friday, March 22, 2013

153 - Potpourri

O tempo por vezes acelera. Faz-se muita coisa e quando se pára para avaliar, na realidade fica-se com as mãos cheias de nada. Porque a interacção com os outros não é fácil, quando cada um marcha ao som do seu próprio tambor. Entretanto, o mundo continua a girar e do que acontece ficam notas escritas à pressa, que não tiveram tempo de crescer individualmente e tornarem-se comentários devidamente ponderados para serem usados num post. Este é um potpourri, uma mistura de assuntos variados que chamaram a atenção durante as últimas duas semanas.

Os justos e os outros
Nos tempos que correm é muito difícil ser justo, dar o seu a seu dono, ver a floresta e não só a árvore que nos cobre, manter e espírito aberto à verdade e não ceder a ideologias, partidarismos, histerias populistas ou circunstâncias pessoais.
Quando o país precisava de um certo consenso acerca das medidas necessárias para sair da crise, o que acontece é um frenesim de interesses pessoais e ambições tendenciosas. Mas é verdade que outra coisa seria pedir demais.

As carpideiras profissionais
Nestes tempos de crises sobrepostas, todos os que dependem da popularidade para ganhar a vida (comentadores, cronistas, jornalistas) ou para fazerem carreira (políticos, banqueiros, empresários), são obrigados a alinhar no coro de lamentações contra as decisões e indecisões das instituições nacionais, europeias e mundiais. Quem não uivar com os outros perde-se da matilha.

A continuação da austeridade
O ministro das finanças anunciou a continuação da emergência nacional em consequência da crise económica e financeira. Por um lado a redução do deficit através duma cura de austeridade e o aumento dos impostos. Por outro lado e como consequência, uma recessão e o aumento do desemprego.
A reforma dos serviços do estado deveria ter contribuído com economias de mais de metade das reduções do orçamento, mas só agora começa a ser posta em marcha. Porquê? Porque a subida de impostos, taxas e contribuições, tem resultados imediatos.
A reforma do estado devia ter sido feita com tempo, logo que as despesas começaram a exceder o rendimento, em vez de suprir a diferença com empréstimos. Durante um período de crescimento da economia é sempre mais fácil, mas nenhum governo anterior teve a coragem de desagradar aos eleitores.
Agora, em período de crise é mais difícil, leva mais tempo, mas continua a ser indispensável. Porque de qualquer maneira o estado só pode gastar em serviços aquilo que recebe dos cidadãos em impostos e alcavalas.  

Os ingénuos, os tolos e os malandros
Algumas vozes celestiais têm andado a escolher mensageiros para uma  evangelização em horas extraordinárias:
Vieram os ingénuos proclamar que as pessoas devem ser mais importantes do que a austeridade. Como se mais ninguém soubesse.  
Vieram os tolos dizer que as pessoas devem ser mais importantes que as medidas necessárias para o equilíbrio financeiro. Como se isso não fosse evidente para todos.
Vieram os malandros dizer que o governo não acerta uma única previsão. Como se eles ou outros pudessem fazer melhor. Para uma pequena economia atrasada, aberta e sem soberania monetária, acertar uma previsão económica é tão provável como abater um pássaro em voo irregular, com uma só bala e cavalgando uma montada sem rédeas.

As previsões económicas
As previsões económicas não podem ser mais do que isso: previsões. Que se vão afinando à medida que o tempo passa, que novos dados vão chegando, até que finalmente as previsões se tornam estatísticas. O FMI, a OCDE, os Bancos Centrais, todos fazem previsões e todos as afinam quando necessário. 

Sol na eira e chuva no nabal
Os exasperados pedem tudo e o seu contrário: menos impostos e mais despesas sociais com a educação, a saúde, os apoios sociais. Como se não fossem os impostos que tivessem que pagar as despesas. A alternativa seria pedir mais empréstimos que depois é preciso também pagar, um círculo vicioso que se quebrou quando mais ninguém se dispôs a emprestar dinheiro a um estado falido. Por isso foi preciso chamar a troika.

Os vasos comunicantes
Com tantas manifestações dos que querem mais dinheiro do estado, nenhum dos grupos que organizam as manifestações se dispôs a perguntar aos que pagam mais impostos, mais contribuições, mais taxas, se aceitam pagar mais ou se estão fartos de ver o resultado do seu trabalho e as suas poupanças serem espoliados. O que entra no teu bolso sai do meu, o estado somos nós, uns e outros.
E a resposta é simples, os que não querem pagar mais vão-se embora, as empresas mudam a sua sede social, os indivíduos mudam o seu domicílio fiscal. Uns e outros esvaziam as suas contas e vão investir, gastar e criar emprego para outro lado. Depois, as Finanças recebem menos impostos e os Bancos não têm dinheiro para emprestar às empresas e às famílias que precisam.

A volta de Sócrates
Após ter sido aquele primeiro-ministro clarividente e impoluto de que todos nos lembramos; após ter sido estudante de filosofia em Paris, certamente junto dos últimos praticantes peripatéticos; após ter frequentado cursos em Sciences Po,  para comparar notas com os discípulos deixados pela escola do grande mestre soarista dos anos 70, cujas proezas poliglotas está bem equipado para igualar. Após tudo isso, o homem vai capitalizar nas saudades que deixou para, como comentador, fazer subir as audiências da RTP... mas sobretudo lançar o pânico no partido socialista e a confusão entre os comentadores das gaiolas televisivas. Está aberta a guerra dos periquitos, araras e catatuas.  

Os títulos enganosos e as notícias deturpadas
Os media em Portugal tornaram-se reféns dos patronos com dinheiro e influência. As vozes dos donos, simplesmente, sem discernimento nem credibilidade. Os títulos são enganosos, dizem uma coisa para atrair o cliente ocasional, mas o texto diz outra. Acontece com todos, a última foi o “Sol” anunciando em garrafais o chumbo do orçamento pelo Tribunal Constitucional, quando afinal se tratava de pura especulação.
A probidade, a ética profissional, a verificação das fontes, a verdade, despediram-se para parte incerta. 

Chipre - Singularidades duma ilha sob influência
Chipre tornou-se numa máquina de lavar o dinheiro sujo dos oligarcas russos e outros gangs mafiosos do leste. Uma máquina simplória, sem o traquejo dos outros paraísos fiscais europeus, como a Suíça, o Luxemburgo, o Liechtenstein, a Ilha de Man, Gibraltar e até certo ponto, Mónaco e o Banco do Vaticano (IOR).
O sistema bancário cipriota inchou como a proverbial rã que queria ser boi. Como prova da sua falta de maturidade financeira, cedeu a velhos reflexos patrióticos da “enosis” em vez da pura rentabilidade gananciosa e... comprou dívida grega. As obrigações afundaram e seguiu-se a bancarrota.
As discussões sobre o resgate de Chipre são uma tragicomédia de miopia política, de erros económicos e pura estupidez nas relações internacionais. A mera hipótese dum imposto sobre os depósitos dum país, destrói por muito tempo a confiança no sistema bancário da zona euro.
Como toda a gente sabe, os banqueiros só perdem o dinheiro das máfias uma vez. Acabam pendurados de pontes em Roma ou “suicidados” dentro de cofres vazios fechados por fora.
O parlamento cipriota votou sobre o imposto e... que grande surpresa... todos os deputados votaram contra ou abstiveram-se. A esperança de vida de quem votasse a favor era inferior à de um rato dentro duma toca de víboras. Vejam o que aconteceu no Bolshoi, transformado em bordel para políticos e oligarcas que mandam atirar ácido na cara de quem não cumpre os seus desejos suficientemente depressa.
Logo a seguir o presidente de Chipre foi receber as ordens de Moscovo. Em troca de auxílio financeiro teria/terá? que ceder a exploração das reservas offshore à Gazprom, sem que lhe deixem a possibilidade de salvar a face criando um Fundo de Investimentos ou qualquer outro simulacro de independência.

Adeus Europa.
JSR

Friday, March 8, 2013

152 - Mr. Song Shih-kai

(tradução abaixo)

Mr. Song was the husband of my friend, and then colleague, Diana Lee.

Diana is one of these Chinese-American women who have an american education up to the highest levels, all the while keeping a chinese mindset. She knew everything, never forgot anything, was always there, capable of listening in silence until asked for her opinion. She could work without tiring, striving to reach her own exacting standards. In true and traditional mandarin manner, she had this aristocratic streak that made her loved by her superiors, competitive with her equals and intensely feared by her inferiors.

Mr. Song was a middle-aged man, the son of a Chiang Kai-shek general when, after the Second World War, the Republic of China retreated to Taiwan. Mao had won the mainland and proceeded to, depending on the beliefs of the observer, either to devolve the pride to his nation or to preside over the worst social and economic disaster of his country’s recent history. Meanwhile, the heads of the Kuomintang turned to business and got fat and rich. Mr. Song was one of the resulting “princelings”. He saw his wife’s international career with a mix of private pride and public complaining about the loss of traditional values.

Diana came to me with the territory, when I went to work for the Organization. She was the head of one of its divisions. During our first staff meeting, while the men spoke and joked in turn, she observed me, with that slightly disquieting look of the far eastern women of her class who, as teenagers, have their eyes surgically westernized. I could not guess how old she really was, as she, like her ethnic sisters, could look pretty, fit and trim, for a very long time. When asked about her objectives and team, she simply stated her division's purpose and added that there was always a lot to improve, but the members of her team were the very best. I looked around the table and could not detect a single smirk of doubt.

Mr. Song was a self-declared businessman, obviously well off, but didn’t seem to have any particular occupation. At his large and well-located mansion he liked to give parties to his and his wife’s friends, was a good entertainer, adept at karaoke. He liked to talk into the night to whoever could stay that long to hear his stories. Indeed he had strange and exotic stories to tell and took a liking to those showing interest. Later on, with the accumulation of drink and excitement he could become a bit obnoxious, but his wife would always know when it was time to summon help and send him to bed.  

Diana presided over our gatherings for lunch in Chinatown. These were not very frequent, what with everybody’s travelling, constant meetings and the stream of visitors from all over the world. But she would beat the gong up, far in advance to get the major Chinese celebrations into the calendars of our restrict group of friends. She would take care of everything with the restaurant owners, who would bow to her so low we always expected them to tip over and fall on their faces. At ease on her own ground, she would treat the other Chinese like an Empress commands slaves and us, her friends, like favorite subjects. She would distribute the seats around the table, choose all the dishes and show her pleasure with someone by picking up choice morsels with her chopsticks and deposing them in that person’s plate.  

Mr. Song visited the Organization several times, asking to see Diana, the front desk would call her secretary and he would be allowed in. But he never actually went to see her. He would try to find a way to the offices of one of their friends, seeing if he could drop in for a bit of conversation. He rarely found anybody available, so he would walk the halls and corridors, eventually sitting down at one of the cafeterias. The security officers knew him, but grew upset with his habit of parking the car in the reserved spaces for ambassadors, who would sometimes protest, and uneasy with his aimless wandering. They went to see Diana to complain and she felt ashamed.

Diana seemed subdued at the french restaurant. Occasionally it looked like a tear was dropping down her cheek. Maybe it was the light, perhaps the fact that it was a Frenchman’s turn in the limelight. Much more than a month had passed, since we last had the opportunity to get the group together for lunch in one of the members’ favorite national hangouts. We were crossing one of those periods of political, economic and organizational upheaval, when everybody seems to float above the mundane facts of daily life, believing the world’s fate is hanging between one’s hands.

Mr. Song committed suicide. The news spread in the middle of the afternoon and all his friends were stunned. He was getting old but still in good health, comfortably wealthy and apparently without reason for such a definitive act. It turned out that he had shut all the doors to his house’s garage and sat in the car with the engine running. When he was found and rushed to the hospital it was already too late, he was dead. A few days later, at the funeral, family and friends said all the good they thought of him, how much he would be missed, later threw flowers into the grave, it was a very dignified ceremony. There he lays, in one of those cemeteries with tombstones far apart amidst the trees and the well-kept grass.

Diana noticed the garden benches, where lonely people can sit and keep company to Mr. Song.

JSR
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Mr. Song Shih-kai

Mr. Song era o marido da minha amiga, e nesse tempo colega, Diana Lee.

Diana é uma dessas mulheres sino-americanas, que tiveram uma educação americana até aos mais altos níveis e todavia conseguem manter uma mentalidade chinesa. Ela sabia tudo, nunca se esquecia de nada, estava sempre presente, era capaz de escutar em silêncio até que fosse pedida a sua opinião. Trabalhava sem se cansar, até atingir os seus próprios padrões de qualidade extremamente elevados. Na verdadeira tradição dos mandarins, ela tinha aquela veia aristocrática que a fazia ser amada pelos seus superiores, competitiva com os seus iguais e intensamente temida pelo seus inferiores.

Mr. Song era um homem de meia-idade, filho dum general de Chiang Kai-shek quando, após a Segunda Guerra Mundial, a República da China recuou para Taiwan. Mao tinha ganho o continente e prosseguiu, de acordo com o ponto de vista ideológico do observador, ou para devolver o orgulho à sua nação ou para presidir ao pior desastre social e económico na história recente do país. Enquanto isso, os chefes do Kuomintang voltaram-se para os negócios e tornaram-se gordos e ricos. Mr. Song foi um dos "príncipes" herdeiros, resultantes desse processo. Ele via a carreira internacional da sua mulher com um certo orgulho em privado, mas sempre a reclamar em público contra a perda dos valores tradicionais.

Diana entrou na minha vida com o território, quando fui trabalhar para a Organização. Era chefe duma das divisões. Durante a primeira reunião, enquanto os homens falavam e diziam piadas, ela observou-me, com aquele olhar um pouco inquietante das mulheres orientais que, ainda adolescentes, têm os olhos cirurgicamente ocidentalizados. Eu não conseguia adivinhar que idade ela teria, pois tal como outras asiáticas da sua classe, conseguem continuar bonitas, em boa forma e elegantes, por um tempo muito longo. Quando chegou a sua vez de descrever os objectivos e a sua equipa, ela simplesmente disse o que faziam e acrescentou que há sempre muita coisa a melhorar, mas os membros do seu team eram o melhor que havia. Olhei ao redor da mesa e não pude detectar um único sorriso de dúvida.

Mr. Song dizia-se empresário, estava obviamente bem na vida, mas não parecia ter nenhuma ocupação particular. Na sua mansão grande e bem localizada, gostava de juntar os seus amigos e os da mulher, era um bom conversador e adepto de karaoke. Gostava de falar pela noite fora com quem pudesse ficar para ouvir as suas histórias e na verdade, ele tinha coisas estranhas e exóticas para contar. Ficava a gostar de quem o ouvia e mostrasse interesse. Mais tarde, com o acumular das bebidas e a excitação, podia tornar-se um pouco desagradável, mas a sua mulher sabia sempre quando era hora de pedir ajuda e mandá-lo para a cama.

Diana presidia aos nossos almoços quando era a vez de irmos a Chinatown. Os almoços não podiam ser muito frequentes, ocupados como estávamos todos com viagens, reuniões constantes e o fluxo de visitantes de todo o mundo. Mas ela batia o gongo com muita antecedência, para fazer colocar as grandes celebrações chinesas nas agendas do nosso grupo restrito de amigos. Tratava de tudo com os proprietários dos restaurantes, que lhe faziam vénias tão baixas que ficávamos sempre à espera que caíssem de cara ao chão.  À vontade no seu próprio território, ela mandava nos outros chineses como uma Imperatriz comanda escravos e a nós, os seus amigos, como súbditos favoritos. Distribuía os lugares à volta da mesa, escolhia todos os pratos e mostrava o seu prazer com alguém procurando com os pauzinhos os melhores bocados e colocando-os no prato dessa pessoa.

Mr. Song ia visitar a Organização várias vezes, pedindo para ver a Diana, da recepção telefonavam à secretária e deixavam-no entrar. Mas ele na verdade nunca ia vê-la. Tentava encontrar os amigos nos seus escritórios, a ver se lhe poderiam dar dois dedos  de conversa. Raramente encontrava alguém disponível, de modo que vagueava pelas salas e corredores e acabava por se sentar numa das cafetarias. Os seguranças conheciam-no, mas foram ficando progressivamente exasperados com o seu hábito de estacionar o carro nas vagas da garagem reservadas para os embaixadores, que por vazes protestavam, e preocupados com os seus passeios sem rumo. Acabaram por ir falar com a Diana para reclamar e ela sentiu-se envergonhada.

Diana estava com um ar triste no restaurante francês. De vez em quando, parecia que uma lágrima lhe escorria pela face. Talvez fosse a luz, talvez o facto de nessa ocasião ser um Francês a estar no centro das atenções. Tinha passado muito mais do que um mês, desde que tinha sido possível juntar o grupo para almoçar num dos restaurantes favoritos da nacionalidade de cada um dos membros. Estávamos a atravessar um daqueles períodos de tensão política, económica e administrativa, quando toda a gente parece flutuar sobre os factos triviais da vida diária, acreditando que o destino do mundo está suspenso entre as suas mãos.

Mr. Song cometeu suicídio. A notícia espalhou-se no meio da tarde e todos os seus amigos ficaram espantados. Ele estava a ficar velho, mas ainda de boa saúde, confortável na vida e aparentemente sem razão para um acto tão definitivo. Soube-se que ele tinha fechado todas as portas da garagem de casa e sentou-se no seu carro com o motor ligado. Quando foi encontrado e levado para o hospital, era tarde demais, já estava morto. Alguns dias mais tarde, no funeral, a família e os amigos disseram todo o bem que pensavam dele, quanto sentiriam a sua falta, mais tarde atiraram flores para a sepultura, foi uma cerimónia muito digna. Lá ficou, num desses cemitérios com as pedras tumulares bem afastadas entre as árvores e a relva bem cuidada.

Diana observou os bancos de jardim, onde as pessoas solitárias se podem sentar e fazer companhia a Mr. Song.

JSR

Saturday, March 2, 2013

151 - A Manifestação “Que se Lixe a Troika”

Que se lixe a troika? 
Até parece que se trata duma potência invasora. Que se saiba, a troika veio a pedido dum governo legitimamente eleito que foi apanhado “de calças na mão”, sem crédito para se continuar a endividar e sem dinheiro sequer para pagar salários.
Um empréstimo indispensável foi depois obtido, após negociações com os credores e com condições para a recuperação económica, cujo cumprimento a Troika verifica desde então.
Que se saiba também, o governo presente e também legitimamente eleito, mantém o rumo decidido nessa altura, com medidas que podem ser discutíveis, mas para as quais tem a autoridade dada por um mandato democrático.
Utilidade e oportunidade
A manifestação de hoje, suposta ser de descontentamento com o governo e contra a troika, é neste momento (em que a troika se encontra em Lisboa e se negoceia em Bruxelas), na realidade uma excelente ajuda para o governo.
Quando forem anunciadas em breve as medidas de apoio ao crescimento económico e ao emprego, o governo terá que voltar a agradecer ao povo deste país, os sacrifícios, a paciência e a forma ordeira como manifesta o seu descontentamento.
Não interessa que o Terreiro do Paço estivesse meio cheio como dizem uns, ou meio vazio como dizem outros. O que interessa é que povo tornou bem claro que está farto da austeridade nacional, farto de suportar as consequências da austeridade nos outros países europeus, farto da ausência de leadership de Bruxelas no caminho para a federação, farto das consequências duma globalização económica injusta e descontrolada.
Os desesperados, os inconscientes e os hipócritas
Aparecem sempre nestas manifestações as pessoas exasperadas, o que é de esperar e perfeitamente compreensível. Contam as suas histórias de injustiça social e insurgem-se contra verdadeiros casos de abuso e corrupção. Há os desempregados, os empregados e reformados pobres, mas também os esbulhados por reduções de salários e reformas, sem esquecer quem vê os impostos confiscarem-lhes a maior parte do rendimento.
Mas aparecem também aproveitadores sindicalistas e membros de partidos de protesto, à procura dum palco mediático para repetirem as mesmas mantras do desemprego e da pobreza. Sem nenhumas propostas de alternativas viáveis para que o país possa resolver os seus problemas. Como se os problemas não fossem a preocupação de todos, responsáveis políticos e cidadãos normais.
Menos normais são as declarações de alguns políticos que foram ou deviam ser responsáveis, mas que pedem a queda do governo, dizendo que perdeu a legitimidade e como tem maioria na Assembleia só pode ser derrubado na rua. Como a maioria é resultante da votação popular, devem querer um regime autoritário de geometria variável ou uma democracia “à la carte”... Hipocrisias.
“Grândola, vila morena”, outra vez?
Durou pouco, esta terceira republica portuguesa, que tanto foi desejada e esperada antes de finalmente acontecer. O povo desta manifestação canta “Grândola, vila morena” de José Afonso, com a emoção com que os seus antepassados esperavam a volta de D. Sebastião.
Má memória. Esquecidos dos excessos do PREC, do falhanço total das nacionalizações e das ocupações, dos bancos sem dinheiro, das indústrias falidas, das propriedades agrícolas arruinadas, da inflação a reduzir os salários a esmolas de miséria obtidas a crédito.
Esta república foi feita da procura de todas as liberdades e todos os direitos, sem as obrigações e deveres correspondentes. Foi feita com uma economia estatal e dirigista, de quem não conhecia outro modelo que não fosse dependente de protecções e favoritismos. Uma sociedade que criou uma geração mimada, incapaz de se tornar independente, de tomar a iniciativa e de empreender. Com valiosas excepções, claro. Um país que acabou falido três vezes, como não podia deixar de ser. Por isso teve que chamar a troika, três vezes também.
Cuidado com a História
Que se lixe a troika? É preciso cuidado com o que os desesperados e os inconscientes desejam. Portugal tem um triste passado de mau pagador.
Houve matanças provocadas por levantamentos populares para não terem que pagar as dívidas aos judeus. Houve um tribunal da Inquisição que se apropriava dos bens de quem acusava, para enriquecimento dos delatores, da Igreja e do Rei. Houve falsificação da moeda.
Um país que não aprende com a História. Quando Filipe IV de França, em colusão com o Papa Clemente V, destruiu os Templários para não ter que lhes pagar as suas dívidas, D. Dinis deu-lhes protecção em Portugal e dessa boa acção nasceu a única época de ouro da nossa história.
Das cinzas está a renascer a Fénix
No meio das cinzas em que a crise económica tornou o país, está já a renascer um Portugal novo. Alguns já se apercebem mas pouco se discute, no meio de tantas lamentações pela morte anunciada e progressivamente cumprida do Portugal velho.
No curto período após do 25 de Abril, Portugal passou pelas mesmas fases por que passaram os países comunistas do Leste da Europa. Uma fase de nacionalizações e de experimentalismos, mas com educação e protecção social para todos. Seguida doutra fase de desmotivação, estagnação e o aparecimento duma nomenklatura privilegiada. Finalmente a fase de colapso e o sacrifício duma geração durante as reformas de transição política, económica e social indispensáveis.
Para quem estiver atento, já se vêm brotar e desenvolver as empresas nascidas dos clusters universitários, as novas tecnologias, os novos empreendedores.  A emigração dos mais bem educados e mais audazes, pode ser seguida da volta de gente mais bem armada profissionalmente e com menos complexos sociais, mais exigente com a qualidade e mais interventiva politicamente. É preciso que o país velho desapareça para que o país novo se torne viável.
JSR