Saturday, December 31, 2011

83 - Voltar a Portugal

Return 1 - Zahi Khamis
Ditoso Camões, que amava a Pátria à qual voltava, apesar desta lhe ser madrasta. O lugar onde se nasce completa a programação dos genes que nos fazem, depois vem a educação e finalmente, se tudo correr pelo melhor, o sentido da responsabilidade individual. Mal vai o país onde os cidadãos não entrem na idade adulta sabendo que têm que o fazer pelo seu pé e viverem a sua vida sem depender das benesses de ninguém.
Estes foram alguns dos pensamentos que preencheram uma noite sem sono durante o último voo de travessia do Atlântico, lendo relatórios sobre as crises internacional e nacional, assim como notícias sobre diversas manifestações e movimentos de “indignados” aqui e acolá. Indignados porque já ninguém aceita levá-los ao colo como crianças dependentes, nem as famílias, nem as empresas, nem os Estados.
Depois de ausências de meses, anos ou décadas, os regressos a esta “ditosa pátria minha amada” são sempre experiências traumáticas, de alguma forma. Voltar primeiro para as reuniões familiares alargadas do Natal ou para umas semanas de férias, representou de cada vez a surpresa e a descoberta duma realidade desconhecida. Voltar depois por uns anos, constituiu uma sucessão de choques contra as paredes de vidro do conformismo com a tradição, da resignação com as superstições, da passividade com as estrituras impostas por um regime autoritário.
A idade adulta trouxe finalmente as asas para voltar a voar para fora e bem acima da cerca. Partir por muito tempo, mas sem nunca perder o contacto. Quem não está contente com a situação em que se encontra, ou muda a situação ou muda-se a si próprio para onde se encontre melhor. Tudo o que pára, estagna e morre. Ao longo de tantos séculos de história, Portugal viu partir os mais descontentes e os mais empreendedores, à custa dos quais viveu os seus raros períodos de prosperidade. Construíram-se impérios comerciais e vieram escravos, especiarias e ouro. Os que ficaram souberam sobretudo esbanjar tudo o que receberam em monumentos à sua vaidade, luxos de importação, conventos onde sobreviveu alguma sabedoria e muita inutilidade, sem nunca serem capazes de fazer frutificar o capital numa economia sustentável.  
Voltar desta vez, talvez a última, tem sido um reencontro progressivo e uma adaptação difícil, onde ainda continua a doer a estranheza de tudo. O principal choque, ao voltar a este pequeno país europeu, é uma confusão mental e física maior do que é aparente em visitas curtas. A confusão mental manifesta-se pela frequente irracionalidade na definição, na avaliação e na resposta às situações, na falta de rigor das alternativas propostas, na má execução dos projectos, na incapacidade de aprender com os erros passados para evitar repeti-los. A confusão física manifesta-se naquilo que aparece como uma casa desarrumada. Leio num jornal que um gestor conhecido e boçal partiu o vidro duma janela do carro ao tentar atirar uma garrafa para a estrada, enquanto conduzia e falava ao telefone... Quantos atentados às leis e quanta falta de educação e civismo se concentram neste gesto.
Por outro lado, este país é um dos raros lugares relativamente civilizados do mundo, onde se pode viver em paz, liberdade e com alguma qualidade de vida, mesmo limitada. Uma democracia razoavelmente funcional, assente numa burguesia minoritária, mas inteligente e instruída, alguns mesmo brilhantes, outros palradores e quezilentos, enquanto que a maioria popular está ainda em vias de desenvolvimento escolar, social e de cidadania. Uma economia liberal, embora a maioria dos empresários continuem dependentes do Estado e dos favores políticos, haja relações incestuosas entre as funções públicas e privadas, a maioria dos empresários e  trabalhadores sejam pouco qualificados, pouco produtivos e em servidão contratual com bancos e programas de subsídios. Um estado providência tentacular, que é a salvação da população mais carenciada, mas com uma burocracia excedentária, com hábitos de favores e corrupção, além de lenta e pouco eficaz.
Um país de pequenos contrastes, que vistos localmente parecem enganadoramente grandes. A crise financeira internacional, a falta de clarividência dos principais responsáveis Europeus e nacionais, a crise da dívida de vários países da zona Euro e particularmente deste, estão a afectar profundamente a cultura do país. A Terceira República começada em Abril de 1974 deu predominância política ao progresso social e de infra-estrutura, sobre a sustentabilidade económica. O consequente desmoronar sob o peso das dívidas, traz agora um recuo significativo de nível de vida para toda a população, que terá que alinhar as suas necessidades bem reais com a reduzida capacidade económica de que o país é capaz.
O principal prazer de voltar a Portugal, é sempre o reencontro com a cultura no seu sentido lato, aquilo que a tradição chama “a alma nacional”. Em Lisboa, na província e mesmo nos que estão no estrangeiro, há uma transversalidade dessa cultura abrangente que transporta consigo cada Português, que é quase sempre reconfortante, mesmo que por vezes possa irritar profundamente. Fado, Fátima e futebol, já mantinham as massas populares numa apatia suficientemente imbecilizante, agora junta-se o triunfo da frivolidade nos media em geral e na televisão em particular, onde concursos, telenovelas, astrologias e outro lixo, são debitados até ao estado de coma intelectual.
A cultura é decerto ainda maioritariamente conservadora, mas com excepções importantes na literatura, nas artes e nas ciências. Notáveis excepções de mérito individual. A dependência dos subsídios do estado impede a clarificação da qualidade pela sobrevivência dos mais aptos. Como os subsídios dependem do gosto (ou falta dele) de quem toma as decisões, de compadrios e de politiquices, a cultura não vai a lado nenhum que valha a pena por esse caminho. Os artistas dependem historicamente de patronos oficiais ou privados que asseguram a sua sobrevivência, raros são os que dependem apenas do público que aprecia, compra ou assiste à representação das suas obras. A dependência traz sempre compromissos, mas a dependência sem exigência é desmotivadora e aviltante. Considerar a cultura como fazendo parte dos preconceitos ideológicos de redistribuição social, provoca inevitavelmente o abastardamento da qualidade, como se prova uma e outra vez.
Com os novos meios de comunicação dá-se um acesso cada vez maior à informação em qualquer lugar e de onde quer que nos encontremos. A porta da internet permite saber instantaneamente o que se passa do outro lado do mundo, aceder, ver, participar ou comentar. Os acontecimentos são em directo. Vê-se muito melhor um jogo de futebol ou uma Ópera no conforto de casa do que no estádio ou no auditório. Falta a interacção com os outros, os que estão na assistência ou os que estão no terreno ou no palco, mas o calor humano e as multidões tornam-se cada vez mais e para um número cada vez maior de pessoas, inconvenientes e desnecessários.
De tribos de homo sapiens sapiens, a parte da humanidade mais inteligente e cientificamente avançada transforma-se progressivamente em associações de interesses desencarnados num mundo cada vez mais robotizado e mais virtual. Contactamos com a terra, o mar e os animais donde extraímos os alimentos através de máquinas. Deslocamo-nos através doutras máquinas. A saúde depende de sistemas cada vez mais automáticos. Os computadores servem de intermediários para com o governo, a administração, as empresas e os amigos. Até a guerra necessária para nos defendermos dos bárbaros que atacam a nossa civilização racional e frágil, se torna progressivamente dependente do controle das comunicações, da vigilância por satélite, de robots e de drones comandados à distância. Combatemos os bandidos das nove às cinco, diante dum écran de onde se comanda o bombardeamento dos terroristas e o ataque aos extremistas.
Voltar a Portugal e continuar ligado ao mundo exterior já não é uma singularidade ou um desafio, é um estado comum para muitos, mas não para todos. Esta divisão acontece em cada povoação, cada cidade, cada país, cada continente. Pode ser maior a distância de interesses e conhecimentos entre dois vizinhos da mesma rua do que entra dois amigos no Facebook situados nos antípodas um do outro. É neste mundo desconstruído que vivemos. Esbate-se a solidariedade social, ignoram-se os interesses comuns, desaparece a democracia onde tenha conseguido florescer, aumenta a insegurança. Cresce o tribalismo nacional, a criminalidade transnacional, as máfias em simbiose com regimes autoritários, a mediocridade política nacional e internacional.
“Não me tapes o Sol”, conta a lenda que disse Diógenes a Alexandre. Não nos tapem o Sol com uma peneira, dizemos nós aos aprendizes de feiticeiro que não ousam atacar os problemas de frente, as sucessivas crises políticas, económicas e sociais dos lugares onde vivemos. Na realidade, tanto o fracasso como o sucesso resultam da acção e podem sempre ser revertidos. A verdadeira derrota é a irrelevância, o navio parado no meio do oceano sem velas e sem motor. O acumular de incompetências e desvarios a que ninguém presta a devida atenção durante muito tempo e que de repente se pode revelar um buraco negro onde tudo desaparece.
Aqui estamos neste fim do ano de 2011, à beira do abismo financeiro, económico, social e político. Em Portugal, como em outros países, ouvem-se as vozes irresponsáveis vindas da Europa e da América, insistindo em que é preciso e urgente dar um passo em frente. É preciso resistir, mas para resistir é preciso saber como, o que obviamente nem todos sabem.
Este é o último post deste ano, com desejos sinceros que 2012 seja um ano melhor.
JSR

Tuesday, December 27, 2011

82 - Letters to my American Grandson (2)

Giotto's Nativity
2 - Christmas and the Winter Solstice

Family reunions are not easy when we are dispersed over such long distances. Sometimes we cannot get together at the traditional occasions, as this year unfortunately, happened for Christmas. With all the development and ease of transportation of our age, it is due to the unchangeable part of human nature that we cannot always be masters of our time. The individual constraints and professional commitments can intrude today, like they always did, in personal choices.
When I had your age, travel required considerable preparation, time and expense. However, we still managed to go back as often as possible to our roots, the place to which the oldest living generation had always returned to reside. At the center of things there were my grand parents, then bound to carry the hereditary responsibility for caring and providing the venue for family reunions. Air travel was still scarce and ocean liners could take weeks to reach destination, but that was the price to pay to have several generations meet, exchange their memories, experiences and views of the world, thus strengthening the extended family ties.
To your grandmother and I, it has now fallen that responsibility. It is with sadness that we spend this period without our children and grandchild, after all those years where we got used to being together. After reaching a certain age, when we look into the future we wonder how many more opportunities will be there to get together, but we know they will be fewer and fewer, thus the sadness.
On the other hand, all this is also normal. As the years go by, in time the children create their own little families and other obligations. As generations follow each other and such patterns are repeated, the important is for each one to find equilibrium, peace and happiness in life.
Since we could not get together, let me tell you in writing instead of in person, about how Christmas was made to coincide with the traditional celebrations of the winter solstice.
The natural rhythms are the only things certain and of which we are aware: the succession of days, the lunar months, the seasons of the year, life and death. At the winter solstice we celebrate the shortest day of the annual cycle and by consequence the longest night. It's the end of the agony of autumn, when the temperature drops, the flora falls asleep and the fauna enters the slow pace of survival in times of scarcity.
The solstices and equinoxes are significant milestones since mankind became conscious of the seasons’ regular return. As they change, so change the sources of food and all the other needs to adapt and survive. Since then, stones have been engraved, the interior of caves painted up, megaliths rose, pyramids, temples and space observatories have been erected. In common, they have the desire to understand what affects us and to conjure up the unknown.
The recognition of being dependent of nature’s rhythms is as inevitable as the appearance of all the myths and superstitions connected to these significant events. The need to think, to understand, also entails finding the limits of our rationality. It is in reaching these limits that are established the fundamental differences in the capabilities of each person to deal with the reality that is beyond our immediate understanding. Some people accept that nature’s unknown is conquered step after step; others indulge in fantasies of inevitable submission to supernatural entities.
Every civilization that overlaps the previous ones, adds its own layer of beliefs, traditions and legends. Christmas marks a special birth among those that frequently occur nine months after the celebrations of the spring equinox, when nature awakens, many animal species mate and a new annual cycle truly begins.
This special birth happened about two thousand years ago and had a negligible impact on his contemporaries. But after his execution, Jesus’ ideas had the best viral public relations that the world has ever known, for which were mainly responsible some of the Greeks absorbed by the Roman Empire, Greeks already known at the time as independent minded and obstinate radicals...
These myths, legends and their different versions, have accumulated civilization after civilization, colouring the immutable natural realities and thus providing the opportunities to produce both some of the best spiritual and artistic creations of humanity, and also the worst tragedies and aberrations.
For those who are lucky enough to live in peace and have at least the bare minimum of material possessions, the winter solstice is a time of hope. The families get together to strengthen the ties among its members, share common traditions and keep the memory of their roots. It does not matter if the decorated tree coexists with the nativity scene, Santa with the child Jesus, the pagan bonfire burns during the midnight mass and the nights are frigid.
This year, the days still bring a blue sky, the sun is warm and we are alive. Next year, despite the world’s many difficulties, the spring season is definitely coming again.
JSR

Thursday, December 22, 2011

81 - Solstício de Inverno

Madeiro do Natal
Os ritmos naturais são as únicas coisas certas de que temos consciência. A sucessão dos dias, dos meses lunares, das estações do ano. A vida e a morte. Neste solstício de Inverno celebra-se o dia mais curto do ciclo anual e consequentemente a noite mais longa. É o fim da agonia do Outono em que a temperatura desce, a flora adormece e a fauna entra no ritmo lento da sobrevivência em período de escassez.
Os solstícios e equinócios são marcos significativos desde que a espécie humana teve consciência da forma repetitiva como mudam as estações, assim mudavam as suas fontes de alimentação e todas as outras necessidades de adaptação para sobreviver. Desde então gravaram-se pedras, pintaram-se caves, ergueram-se megalitos, pirâmides, templos e observatórios espaciais. Sempre com o objectivo de compreender o que nos afecta e conjurar o desconhecido.
O reconhecimento da dependência dos ritmos da natureza é tão inevitável como o nascimento de todos os mitos e superstições que se ligam a estes acontecimentos significativos. A necessidade de pensar, de reflectir, obriga também a encontrar os limites da racionalidade. É nestes limites que se estabelecem as diferenças fundamentais nas capacidades de cada um lidar com a realidade que nos ultrapassa. Uns aceitam que o desconhecido natural se conquista pouco a pouco, outros entregam-se a fantasias de sujeição inevitável a entidades sobrenaturais.
Cada civilização que se sobrepõe às anteriores acrescenta a sua própria camada de crenças, lendas e tradições. No calendário gregoriano ocidental que se tornou o standard de facto em todo o mundo, o Natal foi feito coincidir com as celebrações tradicionais do solstício de inverno. Natal, um nascimento entre os que frequentemente acontecem nove meses depois dos festejos do equinócio da Primavera, quando a natureza desperta, muitas espécies animais acasalam e um novo ciclo anual começa verdadeiramente.
Esse nascimento especial aconteceu há cerca de dois mil anos e teve um impacto insignificante nos seus contemporâneos. Mas depois da sua execução, esse judeu reformista teve uma das melhores public relations virais que o mundo já conheceu, feita sobretudo por Gregos dominados pelo Império Romano, já conhecidos na época como de espírito independente e radicais obstinados... 
 Mensageiros e cartas transportaram histórias que, como diz o provérbio “quem conta um conto, acrescenta um ponto”, com o tempo se foram tornando cada vez mais fantasiosas, irracionais e destruidoras dos valores imperiais. Exactamente o que conquistou a imaginação dos crédulos, dos ignorantes, dos pobres e dos excluídos, nessa altura como em todas as épocas e em várias partes do mundo.
As diferentes versões de todos estes mitos e lendas acumulados durante civilização após civilização, foram colorindo as realidades naturais imutáveis e assim produziram as ocasiões para algumas das melhores criações espirituais e artísticas da humanidade, mas também as piores tragédias e aberrações.
Para quem viva em paz e tenha o mínimo indispensável, o solstício de inverno é um tempo de esperança. Reúnem-se as famílias para reforçar os laços entre os seus membros, partilhar e transmitir as tradições comuns, manter a memória das raízes. Que importa que a árvore decorada coexista com o presépio, o pai natal com o menino Jesus, o madeiro arda durante a missa do galo, as noites sejam gélidas.
Este ano, os dias trazem ainda um céu azul, o Sol está quente e estamos vivos. No próximo ano, apesar das dificuldades, vem aí a Primavera.
JSR

Saturday, December 17, 2011

80 - "Fog in Channel, Continent Cut Off”, Mr. Cameron

Cameron Pis ?
“Há nevoeiro no canal, o continente está isolado”... Conta-se que entre as duas grandes guerras europeias do século XX, a expressão era corrente nos boletins meteorológicos ingleses e assim devidamente noticiada pelos jornais.
Mais do que o chauvinismo tradicional e um estado de espírito, isto significa uma auto confiança com raízes testadas pelos factos. Uma sociedade profundamente conservadora precisa de tempo para evoluir e para ser convencida das vantagens de qualquer mudança.
A Inglaterra esteve contra este ultimo conselho europeu e não concordou com as suas decisões. Não são só os interesses da City of London. É a forma e é o conteúdo do acordo. Não hesitou em ficar só contra todos e se há um país ao qual se deve prestar atenção quando isso acontece, esse país é a Inglaterra. Há suficientes razões históricas, antigas e recentes, para justificar essa precaução.
Quando o Marquês de Pombal escreveu a célebre carta ao governo inglês por causa do incêndio de barcos comerciais franceses que saiam dos portos algarvios, pela armada britânica, começou por lembrar que Portugal podia mudar de alianças. Era o tratado de aliança entre os dois países que permitia excepcionalmente aos barcos comerciais ingleses não serem revistados nas alfandegas ao partirem. Assim, podiam sair com o ouro do Brasil que recebiam em pagamento dos bens manufacturados que traziam, ouro que permitiu a construção dessa mesma armada que assegurava o seu poderio naval no mundo.
Nessa altura, a Inglaterra enviou rapidamente um embaixador carregado de explicações e referências a uma "amizade" tão antiga. O risco de perder um bom negocio valia bem um pedido de desculpas. Mas quando Portugal quis reivindicar o "mapa cor de rosa" em África, já não havia ouro a ganhar, por isso recebeu um ultimato em vez de apoio nas negociações de Berlim. Na última guerra, a Inglaterra resistiu absolutamente só até conseguir arrastar os Americanos para o seu lado. O que não era óbvio e que o resto da Europa esqueceu depressa demais.
O pragmatismo inglês nunca deve ser subestimado, nem a capacidade de defender os seus interesses contra tudo e contra todos. Vale sempre a pena fazer uma pausa para perceber porque o "buldogue" inglês se recusa a avançar, em vez de sucumbir a reacções epidérmicas. Pode ser que, afinal, os nossos interessem coincidam. Pode ser que não.
Nesta ultima cimeira europeia, seguir as elucubrações a dois do Directório germano-francês, necessitava um "leap of faith", uma fé cega que as meias-medidas apresentadas seriam suficientes desta vez para restaurar a credibilidade na zona Euro. Não eram, como os mercados e as agências de rating se apressaram a mostrar logo a seguir. Porém, a maioria dos representantes políticos dos estados membros deixaram-se levar pelo sindroma do rebanho e seguiram quem se apresentou a liderar. As propostas da Comissão eram bem mais racionais, mas foram ignoradas.  
Parece que ao menos um, pelas boas e más razões que evocou ou que lhe atribuíram, foi capaz de dizer "não".

JSR

Friday, December 16, 2011

79 - Es ist spät und wir sind müde, Frau Merkel

Gothic Angels...
Está a ficar tarde e estamos cansados das hesitações da Alemanha. A ultima cimeira europeia é mais um exemplo de temporização, do mínimo avanço possível para salvar o Euro e a União, arrancado pelas circunstâncias, um avanço táctico mas não estratégico.
Desde a reunificação, levou tempo até que a Alemanha assumisse as consequências da sua nova entidade no funcionamento da Europa. Os acordos e tratados davam artificialmente o mesmo peso nas instituições da União aos quatro maiores países, apesar da Alemanha se ter tornado muito maior do que os outros três. Hesitou em aceitar as responsabilidades que vêm naturalmente com o facto de ser o país com maior população, ter a maior economia e ser o maior contribuidor para o orçamento comunitário.
As novas gerações perderam os complexos ligados aos conflitos do século passado, mas os dirigentes políticos continuam a privilegiar o veludo da luva que cobre a mão de ferro. Uma precaução útil, não fosse o facto de agora o fazerem com uma mistura de incompetência e voluntarismo maladroit. Até há pouco tempo, insistiam em passar pelas instituições comuns e criar os consensos possíveis, o que não impediu a persistência em seguir um caminho que leve a modelar uma Europa economicamente germanizada. Agora, passam por cima das instituições para estabelecer acordos políticos inter-estados.
Ao mesmo tempo, a França quis contrabalançar a área de influência germânica com uma área latina, sem ter para isso os meios, sem perder de vista os seus próprios interesses e com uma noção inflacionada da sua importância. Esta suposta direcção bicéfala não engana ninguém e compete com as instituições comunitárias. Serve apenas de relações publicas até às próximas eleições nos dois países que, a não ser que alguma coisa inesperada aconteça, devem ser perdidas em ambos os casos.
Quando um navio perde velocidade no mar, fica sujeito a todos os ventos, todas as correntes, o balançar em todas as ondas. Os problemas acima descritos e muitos outros que naturalmente aparecem, podem ser mais facilmente ultrapassados quando em velocidade de cruzeiro, de preferência para um rumo definido. Neste momento há demasiados capitães num navio em perda de velocidade. O resultado é que as grandes decisões estratégicas para a crise presente e para o futuro, ficam subordinadas às tácticas do pequeno eleitoralismo imediato.
JSR

Tuesday, December 13, 2011

78 - L’Europe en a eu assez de Directoires, Monsieur Sarkozy

Membre du Directoire Exécutif
- James Gillray
A Europa já teve uma história suficiente de Directórios. No caso presente, quando dois grandes países conseguem negociar uma convergência de interesses, a política e a democracia acabam subordinadas a teorias económicas já bolorentas. A França cede em quase toda a linha aos fantasmas alemães dos períodos de hiperinflação, em troca duma representação teatral de co-liderança para tentar esconder as suas próprias fragilidades.
A irritação provocada pelos parcos resultados deste último Conselho Europeu encontra uma possível escapatória na reflexão sobre os mitos fundadores da União, entre eles a suposta igualdade dos cidadãos em democracia e entre os estados no direito internacional. Uma falácia em ambos os casos.
Igualdade traduz-se, para os membros duma comunidade, pela posse e exercício dos mesmos direitos e deveres, sociais e políticos, numa democracia, o governo do povo pelo povo (ou através dos seus representantes, por ele eleitos). Porém, a experiência mostra que, mesmo partindo dum nivelamento revolucionário e compulsivo, acaba sempre por se desenvolver uma pequena classe de cidadãos “mais iguais” do que todos os outros.
Para os estados a igualdade é uma ficção baseada no respeito que devem merecer todas as soberanias na sua auto-determinação (supostamente sem interferências exteriores) e na participação voluntária em alianças e tratados. Todavia, o nível de desenvolvimento, a acumulação de riqueza, o peso da população e outros factores, entre os quais a firmeza e capacidade na gestão do estado, torna o peso das nações profundamente desigual nas suas relações.
Neste momento de necessidade e crise europeia, só o avanço rápido para o reforço ou criação de instituições federais, pode salvar do colapso o projecto de união progressiva de países tão desiguais. Também, só assim será possível preservar o exercício democrático dos cidadãos nos destinos da União, através de decisões tomadas pelos seus representantes eleitos para essas instituições e não por Directórios de circunstância.
JSR

Saturday, December 10, 2011

77 - Geo-estratégia, o xadrez dos reis

Life Chess - Shigolev Oleg
A União Europeia está sem rei nem roque. O directório ad-hoc germano-francês duplica, interfere e sobrepõe-se às responsabilidades executivas da Comissão e legislativas do Parlamento.
Apesar de todos os protestos em contrário, a União já avança a velocidades diferentes. Tem-se progressivamente dividido em grupos, união aduaneira para todos, directivas comunitárias com excepções para alguns, união monetária para 17, espaço de livre movimento para além das fronteiras da União. Tem sido incapaz de progredir de forma significativa no estabelecimento de políticas comuns nas áreas financeiras, fiscais, económicas e de relações internacionais.
Vários dos seus membros pretendem e por vezes conseguem, conduzir políticas de protecção dos seus interesses individuais acima dos interesses da União. Acontece em todas as áreas e para obter consensos, e também por falta de alternativas, ocasionalmente arrastam a maioria dos outros em acordos mal equilibrados.
Para resolver a crise presente, é obvio que é necessário estabelecer imediatamente o suporte das dívidas soberanas nos mercados pelo Banco Central Europeu e a termo uma união fiscal e eurobonds. Estes últimos  conselhos europeus, com muita parra e pouca uva, têm a eficácia duma dança da chuva tribal. Porquê?
Porque ninguém quer assumir as verdadeiras razões da desconfiança dos países do Norte em relação ao Sul. Não são tanto os desequilíbrios orçamentais e o aumento galopante das dívidas, mas o que está por detrás disso, a corrupção nos contratos com o estado, as máfias subvertendo a economia de regiões inteiras, a Grécia, Chipre, o Sul e ilhas da Itália, da França, da Espanha e de Portugal. Basta ler os jornais e os relatórios dos Tribunais de Contas. Basta assistir à ineficácia da justiça e às complacências dos que fazem da política trampolim para o outro lado da barricada.
Os países “virtuosos”, e é preciso perceber as razões desta auto-denominação nem sempre merecida, querem ter a certeza que os outros se “reformam”, antes de aceitarem ser seus fiadores. E assim o tempo vai passando, de pequenos passos e grandes promessas, até que um dia destes não resta nada para reformar.
Sem uma estratégia de desenvolvimento comum que se veja, a tentação é sempre grande para os “aprendizes de feiticeiro” europeus de jogar o xadrez dos reis para disfarçar as profundas deficiências internas. Quando a estratégia é confusa, as decisões nunca são suficientes para resolver os problemas que ocorrem, quanto mais uma crise financeira de confiança. Sem um Presidente eleito por todos os europeus e sem um governo federal eleito pelo Parlamento, a Europa não terá nunca um peso geo-estratégico que valha, nem nas decisões internas, nem nas relações internacionais, sejam financeiras, económicas ou políticas.
A União Europeia tem o peso económico dum gigante, mas uma capacidade de projectar poder militar apenas média e um protagonismo político atrofiado. O total é muito inferior à soma das partes. Pior que tudo, está a ficar cada vez menos democrática.
JSR

Thursday, December 1, 2011

76 - O Rapto da Europa

Polonia Restituta
 (Odrodzenia Polski)
A Europa (o que significa hoje, por ordem de importância: a zona euro, a União Europeia e todos os países que constituem esta civilização coerente), está nesta altura entregue a uma geração política medíocre. Mais de meio século de progresso conquistado com inteligência, perseverança e trabalho árduo estão em risco grave de se perder.
A necessidade aguça o engenho, tanto como a facilidade provoca a complacência.
As provações da última guerra criaram uma geração motivada para o pragmatismo e dirigentes políticos tendencialmente escolhidos pelo mérito. As instituições nacionais e supranacionais que criaram desde então asseguraram um longo período de prosperidade e progresso.
A geração seguinte habituou-se ao aumento progressivo do nível de vida como um direito adquirido e a escolher dirigentes que se assemelham cada vez mais à maioria dos cidadãos que os elegem, políticos sem capacidade de liderar, preocupados em reflectir os sentimentos de populações cada vez mais frívolas e egoístas, mas ainda assustadoramente crédulas. Chega-se assim aos limites de eficiência da democracia e à beira do abismo.
No meio desta competição de... incompetências, detectam-se algumas vozes racionais e corajosas. Vale a pena salientar o discurso feito em Berlim a 28 de Novembro, pelo ministro dos Negócios Estrangeiros da Polónia, Radoslaw Sikorski, e ao qual não foi dada toda a importância que merece.
Sikorski, com o peso histórico dum país várias vezes esmagado entre os expansionismos da Alemanha e da Rússia, foi a Berlim dizer claramente verdades como punhos, incluindo o facto de que neste momento teme mais a inactividade da Alemanha, que pode causar uma crise de proporções apocalípticas, do que a sua “actividade” passada.
Começou por lembrar as causas e os culpados do desmembramento da antiga Jugoslávia e da guerra que se seguiu, como exemplo do que pode acontecer à Europa se esta crise da união monetária não for resolvida rapidamente e bem.
Citou Kant para sublinhar a importância moral do dinheiro nas relações entre os indivíduos e entre as nações, a honestidade e a responsabilidade nas suas transacções como fundações de qualquer ordem moral. Para a União Europeia, a responsabilidade e a solidariedade são imperativos categóricos, a responsabilidade pelas decisões e a solidariedade nas dificuldades.
Num ataque frontal às responsabilidade da Alemanha nesta crise, uma crise de confiança, lembrou que o Pacto de Estabilidade já foi quebrado 60 vezes e não só pelos países pequenos em dificuldades, começou logo pelos países fundadores, incluindo a Alemanha.
A escolha agora é entre uma integração mais profunda ou o colapso. A integração significa estabelecer imediatamente um verdadeiro Banco Central e uma federação fiscal, assim como aceitar futuramente a eleição directa dum Presidente Europeu e de listas pan-europeias para o Parlamento.
Nem a Inglaterra escapou a um puxão de orelhas: Se não se querem juntar a nós, saiam do caminho. E comecem por explicar ao povo que as decisões europeias não são diktats de Bruxelas, mas o resultado de acordos nos quais participam livremente.
Lembrou aos seus anfitriões que a Alemanha é o maior beneficiário dos presentes acordos e portanto quem tem a maior obrigação de os apoiar. Que o maior perigo para a segurança e prosperidade da Polónia (como para o resto da Europa) não são as ameaças exteriores (terrorismo, mísseis russos, etc.), mas o colapso da zona euro à qual o seu país se espera juntar em breve, um sinal de confiança.
Concluiu dizendo que estamos à beira dum precipício e a Alemanha é a nação indispensável para liderar, mas não dominar, a Europa. Uma missão histórica para a reforma e a salvação da zona euro, na qual não pode falhar. Tal como ele é o primeiro membro dum governo na história da Polónia, a afirmar que teme menos o poder alemão do que a sua inactividade.
As gerações futuras julgar-nos-ão pela nossa responsabilidade no que fizermos agora, ou deixarmos de fazer.
JSR

Thursday, November 24, 2011

75 - Clamando Contra os Deuses Desconhecidos

Calçada Portuguesa

Dia de greve geral
Longe de ser apenas uma perda de tempo e de dinheiro (o que também é), esta greve é útil internamente e necessária para uso externo. Internamente, permite descarregar as tensões acumuladas por medidas duras de redução do nível de vida da população. Externamente, é bom que os parceiros europeus recebam a mensagem de que os portugueses, apesar da consciência cívica que muitos possam ter, atingiram os limites da paciência. Sem abrandar as reformas indispensáveis ao futuro do país, são necessárias medidas europeias para garantir a credibilidade do euro e a retoma do crescimento económico dos países mais endividados, particularmente através duma maior integração política e da emissão de obrigações comuns.
Mentalidade de súbditos
Em tempos de crise, desde sempre os povos se voltam para quem julgam ter os poderes necessários para os ajudar, sejam os deuses em quem acreditam ou as autoridades temporais que se conduzem como seus intérpretes. Milénios de submissão a senhores temporais e religiosos impôs  nos indivíduos uma mentalidade de súbditos: desde que eu obedeça ao senhor, o senhor protege-me; mesmo que eu esteja numa situação desesperada, o Senhor fará um milagre. “Eles” sabem e podem tudo, persiste em muitas mentalidades mesmo após as revoluções políticas e científicas do Iluminismo ou Era da Razão. Continuam a confiar a forças exteriores o que deve ser o domínio do livre arbítrio e da responsabilidade individual. Esta confusão leva a que os cidadãos mal ensinados a pensar, não façam a distinção entre as crenças supersticiosas em entidades todo-poderosas e os governos democráticos cujos poderes são limitados pelo mandato dos eleitores e pela realidade nacional e supranacional.
Consciência social
Mas há alguém que não pretenda, por convicção ética ou fingimento estridente, estar a favor das boas causas? É fácil descrever tudo o que vai mal, propor tudo o que o povo quer ouvir, é assim que prosperam os políticos populistas... As diferenças começam a aparecer quando é preciso passar das declarações piedosas à acção sustentada: nas urgências sociais, na equidade na distribuição dos recursos, no desenvolvimento económico, na representatividade política. As diferenças tornam-se fundamentais quando a sobrevivência duma comunidade depende da capacidade de distinguir entre as pregações demagógicas baseadas na fé cega dos dogmas e as análises racionais sobre a eficácia das medidas, sejam elas políticas, económicas ou sociais.
Manifestos e Encíclicas
Vous n’avez pas le monopole du coeur”, respondeu Giscard a Mitterrand na campanha presidencial francesa de 1974. Afagar “as massas” no sentido do pelo é uma prática corrente e que atrai sempre a simpatia dos pobres de espírito. O tema socialista que deu origem àquela réplica “C'est une affaire de cœur et non pas seulement d'intelligence”, tem sido glosado em Portugal desde então e em todos os tons, um dos quais o célebre “Há mais vida para além do Orçamento” de Sampaio em 2003, que inspirou os anos de desgoverno e irresponsabilidade que se seguiram, ou o manifesto de Soares agora. Citando o manifesto: “Os obscuros jogos do capital podem fazer desaparecer a própria democracia, como reconheceu a Igreja.” Strange bedfellows... Pois, por muitas qualidades que se queira atribuir à Igreja, a democracia não está, nunca esteve, entre elas. “O recente recurso a governos tecnocratas na Grécia e na Itália exemplifica os perigos que alguns regimes democráticos podem correr na actual emergência.” Certo, correm perigo os regimes incompetentes e é bom que esses desapareçam, mas felizmente democracia e incompetência não são sinónimos.
Era só o que faltava
Até agora, os partidos e movimentos “de esquerda”  juntavam-se regularmente às diversas “igrejas” (no sentido próprio e no figurado), para a organização de manifestações em defesa de causas sociais, dos trabalhadores, dos pobres e dos oprimidos. Neste momento, os diáconos das capelas socialistas, burguesas e seculares, invocam a bênção da Igreja para se juntar às outras esquerdas, aos sindicatos e descontentes de todos os quadrantes, no facilitismo da contestação contra a “grande conspiração” dos mercados de capitais, contra os Bancos onde o dinheiro devia estar e não está, contra as organizações que avançam créditos mas só em troca de medidas de austeridade. Uma contestação geral contra os “deuses desconhecidos".
Marchas e Procissões
Acima de tudo, uma greve é uma tentativa de intimidação contra a autoridade, contra o poder instituído. Há muitos tipos de marchas, manifestações e procissões. Cada região do mundo e cada zona cultural apresenta as suas características. Em comum têm uma súplica misturada de ameaça  aos deuses e aos seus pontífices, os que fazem a ponte com o comum dos mortais, para que ouçam as suas reivindicações. Quando essa ponte de confiança se quebra, a história mostra que o povo acaba por se revoltar e destruir uns e outros.
         Cada país tem as elites que merece e as greves de que é capaz.
JSR 

Saturday, November 19, 2011

74 - TSF - Comentários sobre o "Filme da Semana"

TSF - Filme da Semana

Publicado a 18 NOV 11 às 23:29

Na Última Hora, lançamos um olhar de revista à semana que termina. A TSF fez a recolha das marcas que os dias foram deixando.
  
O professor José Soromenho Ramos, conselheiro da Universidade das Nações Unidas, foi o convidado para analisar o Filme da Semana.


Clique para ouvir:

Saturday, November 12, 2011

73 - A Encruzilhada - Os Impostores (8)

Crossroads - Jeff Owen
8 - A Encruzilhada...

Para Portugal, chegou o tempo das grandes decisões. No xadrez geopolítico desta crise, é agora que se vai ver se o governo português sabe jogar com os mestres ou se estamos a ser governados apenas por amadores competentes mas sem experiência nem audácia, condenados a um futuro medíocre e arrastando com eles o país que neles votou.
O presente executivo começou a implementar as reformas necessárias para inverter muitos anos de desgoverno. Os objectivos são claros: que o Estado não gaste mais do que o que obtém em impostos, que as importações não excedam as exportações, que o recurso ao crédito não ultrapasse os valores equivalentes de poupança e que o nível de vida da população não seja superior à produtividade nacional. Por outras palavras, submeter o país a uma gestão de dona de casa prudente, para acabar com as manias de grandeza dos arrivistas que dominaram a vida política e económica desde o 25 de Abril.
A terceira República acabou, avisem os iluminados populistas que fingem que ainda não se aperceberam. A quarta República já chegou com as trombetas e fanfarras destes últimos Orçamentos, mostrando que vai ser muito atavicamente “pobre mas honesta”. Pobre porque não tem escolha. Honesta, honesta, é ainda só um desejo de que o parlamento e a justiça tenham a coragem de respectivamente legislar e de aplicar atempadamente as leis, aos gangs que prosperam a parasitar o estado. Como diziam os optimistas do regime anterior: habituem-se.
Alem disso, o país terá que encontrar uma solução para esta situação de “servidão contratual” em que se encontra. O Estado está na dependência dos credores representados pela troika, o sistema bancário depende dos investidores  e do Banco Central Europeu, assim como muitas empresas e cidadãos dependem dos seus Bancos. Todos estes estratos devem mais do que podem pagar.
Se a economia não crescer, a matemática mostra que será impossível a cada um destes grupos pagar as suas dívidas. Se a economia crescer pouco, o pagamento dos juros da dívida deixará o Estado e os outros sem rendimentos para investir no desenvolvimento. Só se a economia crescer mais do que a média europeia, poderão eventualmente pagar também o capital das dívidas, mas só em parte e sobre um longo prazo. Porque para lá dum certo limite, ao tentar pagar todas as dívidas assim como os juros acumulados o país entra num impossível “catch-22”, um beco sem saída.    
As últimas evoluções da crise das dívidas, atingindo já todo o crescente Sul da Europa, está a levar a uma reavaliação das medidas financeiras tomadas até agora. Essas medidas foram inspiradas pela decisão política, motivada por considerações eleitorais, de castigar os países despesistas pelos seus excessos e de os obrigar a implementar as reformas necessárias para que a situação de insolvência, assim esperam, não se repita no futuro. Os programas de ajuda têm sido aplicados caso a caso, a sua manutenção é condicional aos progressos obtidos e o processo sujeito a supervisão externa. Essa fase está a acabar.
Cada dia que passa torna mais clara a interdependência de todos dentro da zona Euro, mais inevitável a partilha dos custos e das soluções numa maior integração económica, financeira e fiscal, assim como a extensão das consequências dessa integração a toda a União.
Vamos ver até que ponto o governo vai saber aproveitar as vagas desta mudança de maré, como oportunidade para negociar a percentagem da dívida que será possível pagar, obter para o resto uns juros proporcionais ao crescimento e um prazo de pagamento suficientemente longo para não descapitalizar a economia. É preciso que todos, países e cidadãos, paguem o preço para sair da crise, um preço que seja proporcional aos seus interesses e às suas capacidades.
Os ventos sopram desfavoráveis aos impostores.
JSR

Friday, November 11, 2011

72 - Carpe Diem - Os Impostores (7)

Carpe Diem - Gabriele Leozzi

 7 - Carpe Diem...

Da forma como na Europa se tem interpretado a citação “carpe diem quam minimum credula postero” (aproveita o dia, pondo tão pouca fé quanto possível no futuro), tirada das Odes de Horácio, está contido o destino da União, um grupo de países com muitas coisas em comum e muitas outras que os separam.  
Alguns países usaram-na durante muito tempo no sentido de “aproveitar o dia” para o prazer imediato de viver a crédito, sem preocupações com o futuro e estão agora em diversas fases de pagar, ou começar a pagar, a sua leviandade.
Outros, com diferentes tradições culturais, têm-na usado como incentivo para evitar perder tempo com futilidades, “aproveitar a oportunidade de cada dia” para ir construindo o futuro, porque a vida é incerta e não se deve confiar nos deuses ou esperar pelo dia de amanhã.
Esta última crise revelou as fragilidades comuns aos chamados países periféricos: as cumplicidades entre as classes políticas e as oligarquias económicas, os sistemas legais tendenciosos e os serviços de justiça disfuncionais, as empresas em simbiose parasitária com os organismos do Estado, os baixos níveis de competências e de produtividade, as consequentes falta de competitividade e estagnação do crescimento económico, o financiamento do desenvolvimento e do estado social com recurso a empréstimos externos que por excessivos nunca será possível pagar totalmente.
As reformas estruturais (para tentar acabar com as situações mais escandalosas de abuso, desordem e desperdício) e as políticas de austeridade (para baixar o nível de vida ao que é sustentável), são necessárias mas insuficientes para gerar crescimento. Sem crescimento não se pagam as dívidas. Um circulo vicioso que é preciso quebrar.
Por outro lado, os chamados países virtuosos têm aproveitado a liberalização do mercado único para obterem balanças comerciais tão excedentárias quanto possível, à custa da prodigalidade dos países a quem vendem os seus produtos e a quem concedem empréstimos, directa ou indirectamente.
Quando o desequilíbrio se torna insustentável estabelecem-se Fundos europeus de estabilidade, o último dos quais negociado com a esperança ingénua de que os países emergentes nele invistam, como se confessar falta de auto-confiança favorecesse a credibilidade externa. Humilhação inútil, pois até a China, país ainda soi-disant comunista, acusa a Europa de favorecer a indolência com os seus sistemas de protecção social e indica que o investimento dos seus 400 bilhões de fundo soberano será baseado unicamente na rentabilidade, uma decisão puramente capitalista.
 Mas o que fazem as instituições da União Europeia, saídas de todos os tratados e acordos? O que fazem os responsáveis da Zona Euro? Em vez de aproveitarem esta crise para aprofundarem a União, os dirigentes europeus estão a deixar desperdiçar a ocasião, não tanto por culpa própria mas por interferência oportunista dos chefes políticos dos países mais influentes.
Os políticos estão reféns de interesses transitórios e de modelos económicos caducos, incapazes de se auto-regularem mas capazes de protelarem as tentativas de impor uma regulação comum efectiva. Estão também manietados por opiniões públicas confusas que se vêm obrigados a seguir quando se aproximam eleições, porque têm falta de estatura e capacidade para as liderar.
Entretanto a Europa desindustrializou-se e o desemprego cresce, pois nem todos sabem fazer outra coisa além do trabalho nas fábricas. As actividades pós-industriais globalizam-se mais rapidamente do que previsto, deixando aos europeus um quinhão menor do que o investimento em educação lhes permitia esperar.
A Europa já funciona a várias velocidades. Acabou o escapismo de falsos problemas de influência geoestratégica. Acabaram os alargamentos da União Europeia por razões políticas. Acabou o sonho para uns e o pesadelo para outros, dum possível  alargamento à Turquia, pois observando os problemas que causam 12 milhões de gregos, poucos ousam imaginar o que aconteceria com cerca de 80 milhões de turcos.
Neste período crucial, os dirigentes políticos na gravitação do Directório Franco-Alemão, onde o “Franco” encolhe todos os dias, têm partilhado da interpretação rasteira de “carpe diem”, resolvendo a posteriori os problemas de cada dia.
                                                               (continua)
JSR

Thursday, November 10, 2011

71 - La grandeur de la France - Os Impostores (6)

Charlemagne par Dürer
6 - La grandeur de la France...

Charles de Gaulle refugiado em Londres, discursava em 1941: "Il y a un pacte vingt fois séculaire entre la grandeur de la France et la liberté du monde". Ben alors... Vejamos, há vinte séculos ainda as tribos germânicas não tinham sido chutadas pelos Hunos sobre o Império Romano. Bastante mais tarde, os Francos subjugaram os Galo-romanos e à medida que se foi formando a França, “os reis que a fizeram” apropriaram-se de todos os territórios que puderam até à Revolução. Esta culminou com as grandes “libertações” das guerras napoleónicas e prosseguiu no Congresso de Berlim que decidiu a repartição colonial da África. Qual “pacto”?   
Quase todos os povos têm a sua arma particular para manter a coesão nacional, a ilusão da diferença, o “nós contra os outros” ou mesmo “nós contra o resto do mundo”. Uns porque são filhos dum panteão de deuses tutelares, outros são “povos eleitos” por um deus único, outros ainda têm a protecção particular dum profeta, dum iluminado, dum ídolo ou dum santo. Também houve a noção de “manifest destiny”... Todas as justificações são boas quando são um meio inofensivo de aumentar a auto-estima e são más quando pretendem ser justificação para descriminação, apropriação de recursos, guerras ou mesmo genocídio.
As nações que conseguem desenvolver durante algum tempo uma cultura dominante num certo território, apoiada pela expansão da língua, comportam-se depois por um longo período como se não se apercebessem da sua decadência. Assim como a China se viu sempre durante os altos e baixos da sua história como o “Império do Meio” do mundo, assim a França se considera desde o século XV como o reino do meio da Europa. Com alguma razão e muitas consequências.
Esse tempo já vai longe, não só para a França como para toda a Europa. Nestas convulsões da zona Euro, o presidente Sarkozy encontrou uma rara oportunidade de obter um protagonismo mais prosaico e de se abrigar à sombra da Chanceler Merkel (no sentido próprio e figurado...) para disfarçar os problemas do seu país que fazem perigar a classificação AAA do seu crédito. Todavia, as medidas de austeridade relativa que tem que impor a uma população habituada a que manifestações e greves façam recuar o governo, não convencem os mercados e poderão provocar a sua queda nas próximas eleições.
Os franceses trabalham pouco, têm férias excessivas, uma multiplicidade de sistemas para reduzir a idade da reforma e a Segurança Social é provavelmente a melhor do mundo. Tudo isto é impossível de sustentar a médio termo e o atraso das reformas indispensáveis apenas se explica pela chantagem dos sindicatos para manter os direitos adquiridos. Como resultado, a economia  perde produtividade e recua relativamente aos competidores sectoriais.
Uma das agências de rating, a S&P, acaba de difundir “por erro” a alguns dos seus clientes a informação da baixa da avaliação da França. Por erro? Não, foi um balão de ensaio. Na finança, como na política, o que parece é. O directório franco-alemão é uma ilusão confortável para ambas as partes, mas tão obviamente absurdo para os outros interessados que já ninguém o leva a sério. A França é o próximo alvo dos mercados e Monsieur Sarkozy começou a resvalar pela prancha dos condenados, sobre a amurada do navio da Eurolândia.
                                                     (continua)
JSR

Wednesday, November 9, 2011

70 - Pelea por tu igualdad - Os Impostores (5)

Hispania...
5 - Pelea por tu igualdad...

“Pelea por tu igualdad”, incita uma publicidade do PSOE na campanha eleitoral espanhola. Igualdade com quem ou com quê? Assim, à primeira vista, este slogan parece uma boa ilustração daquilo que os franceses chamam “une auberge espagnole”, onde só há (como alimento) aquilo que cada um leva consigo quando entra.
A Espanha tem estado ultimamente um pouco arredada das luzes da ribalta onde se desenrola o drama da crise das dívidas europeias. No período difícil em que os dois países ibéricos estiveram sob o fogo dos mercados, período em que o governo de Portugal se escondeu atrás da peneira da negação dos factos, a Espanha tomou as primeiras medidas para o controle das suas Cajas regionais descapitalizadas e das consequências do rebentar da bolha imobiliária.
Nessa altura Portugal funcionou como pára-raios do país vizinho. Depois, embora nenhum dos seus problemas tenha sido resolvido e a taxa de desemprego seja mesmo absolutamente insuportável (se fosse real), outros acontecimentos cooperaram para manter a Espanha na sombra: o inevitável drama grego que se desenrola em episódios de telenovela, assim como a interminável Opera Buffa italiana.
 Com todos estes divertimentos concentrando as atenções, a Espanha consegue esconder-se atrás do pano das próximas eleições, esperando assim ganhar tempo suficiente par que a cacofonia europeia dê lugar a decisões sobre o futuro da Europa. Ojalá, Oxalá, Inch’Allah. Não serve de nada, mas sempre anima exprimir o desejo que medidas positivas sejam tomadas em tempo útil.
                                                           (continua)
JSR

Tuesday, November 8, 2011

69 - Please God, make me good, but not yet - Os Impostores (4)

1/2 Sovereign
4 - Please God, make me good, but not yet...

“Por favor, Deus, faz-me bom, mas ainda não...”, uma tradução cínica e inventiva tirada das Confissões de S. Agostinho, aplica-se à forma como o Reino Unido e alguns outros países, “protestantes” em vários sentidos do termo, se relacionam com a União Europeia.
O Reino Unido não se conformou ainda com o facto de ter ganho a última guerra contra a Alemanha e ter agora uma posição subalterna na união económica. Nem se esquece que a guerra foi ganha devido ao envolvimento determinante dos Americanos a quem deixou de interessar essa “relação especial”. Entrou na Comunidade só quando já não tinha alternativas e só entrará no Euro quando se encontrar totalmente isolado e a isso for obrigado. Entretanto, para proteger a City of London e os seus outros interesses, o Reino (já pouco) Unido será uma força de bloqueio ao caminho da União Europeia para o federalismo.
Os projectos de tributação sobre os movimentos financeiros internacionais, têm sido resistidos por todos os hipócritas que são partes muito interessadas. A chamada “taxa Tobin”, uma das propostas nesse sentido, tem morrido e sido ressuscitada inúmeras vezes. Volta agora pela voz de vários dirigentes europeus, por ocasião da reunião do G20, um duplo exercício em futilidade. Tal como a intenção de acabar com a praga dos paraísos fiscais, são boas intenções de alguns que vão contra os interesses de muitos outros.
Desta vez, além dos culpados do costume, há também um inimigo do interior, a City of London. O maior centro financeiro europeu poderia ser um grande trunfo da zona Euro, mas é por agora o maior obstáculo à legislação financeira necessária à sua consolidação.
Uma união sobretudo aduaneira interessou e interessa principalmente aos países de acumulação de capital especulativo, fortes indústrias, fornecedores de tecnologia e outros produtos de grande valor acrescentado.
A união monetária interessa aos países de exportação excedentária, cuja expansão económica, se não fizessem parte da zona Euro, provocaria naturalmente  uma valorização das suas próprias moedas. Com o consequente aumento dos custos da produção, dos preços e a correspondente perda de competitividade. Assim, pertencendo a uma união monetária, conseguem evitar esses problemas disfarçando-se no meio do grupo.
Mas os países importadores e perdulários encontraram também vantagens na União e na zona Euro, entre elas a de receber os fundos de coesão e a de conseguir obter juros no mercado semelhantes aos das grandes economias excedentárias. Mas agora, em tempos de crise e de falta de credibilidade, quando se querem também continuar a disfarçar no meio do grupo para se protegerem dos juros altos das suas dívidas pedidos pelos mercados, os países mais prósperos não respeitam a reciprocidade e deixam-nos desprotegidos.
Nem todos os países europeus estão na União, nem todos os países da União estão na zona Euro, a cada qual os seus interesses egoístas. Uns não entraram sequer na União, como a Noruega do petróleo, a Suíça dos serviços financeiros muito especiais, ou a Islândia das pescas. Outros entraram, mas optaram por ficar fora da zona Euro, como a Inglaterra da Libra, ou a Suécia e a Dinamarca dos estados sociais homogéneos.
Afinal que espírito de grupo é este, a vocação da União é a de ser uma matilha de caçadores no mercado global, ou a de um rebanho de carneiros com alguns lobos disfarçados no seu meio?
                                                         (continua)
JSR