Wednesday, July 17, 2013

169 - The Road to Damascus

These days few people “see the light” or any light at all, on the road to Damascus, like Saul of Tarsus witnessed when converting to the Christian faith. This is hardly surprising, but what is dangerous is that so few people see the light of reason. Apocalypse is occurring in the very places where humanity established the first building blocs of civilization, it is spreading fast throughout the entire region and there is not much that can be done to help.
The light that blinds
Many years have passed by, since the Age of Enlightenment pressed the use of reason to reform society, casting aside superstitious beliefs, fighting intolerance and curbing the excessive power of churches and states. It is absolutely appalling to observe, as late as this century, the revival of obscurantist and religious sects, zealots and extremists, bigots warring among themselves, bent on spreading terrorism all over the world. They cannot see the light of reason, their minds having been blinded by the light of conflicting faiths.
Mediterranean rot
Around the rim of the Mediterranean Sea, things are rotting fast. What used to be the center of the world, the middle of the Earth, has become nothing more than the crowded backwaters of old civilizations harboring even older resentments. Disgruntled peoples were left behind to live side by side, by a history of neighbors trying to annihilate neighbors.
The countries on the European side are on a descending curve of faltering democracies, discredited political parties, economic decline, towering financial debts, broken welfare states, raising unemployment and declining birth rates.
Those on the African side (Morocco, Algeria, Tunisia, Egypt) are making brave attempts, although not very successful, to establish less authoritarian regimes and independent institutions, modernize their societies and reduce crippling administrative corruption, develop the economy to keep pace with galloping reproduction rates by creating enough jobs for the new generations.
The Middle East is an expanding bonfire of pre-civil wars (Egypt, maybe Lebanon), civil wars (Syria), post foreign interventions (Iraq), decomposing theocracies (Iran) and sheikhdoms buying relative internal peace by bribing their citizens and financing terrorist groups outside their borders (Saudi Arabia and the other oil States of the Gulf). Then there is the case of Turkey’s surreptitious Islamization of the institutions, a regression from Mustafa Kemal’s reforms (yes, Turkey has one important toe in Europe, but most of its territory and the capital are in Asia).
Reason and fantasy
The dreamland that fills the minds of a large part of mankind is full of portents, prophets and supernatural beliefs, which provide an escape to the dreariness of daily life. Most of those beliefs originated in the Middle East and superstitions were a part of those building blocs that were the seeds of civilizations.
It is not easy to grow out of custom, some societies got stuck in traditional ways of life and progress reaches very slowly the old mindsets. Sadly, this is the present condition of some nations that were in the past beacons of brilliant civilizations (Pharaohs’ Egypt, Persia, the Ottoman Empire).
Progress and retrogress
Evolving towards democratic institutions is a long process, strewn with difficulties and pitfalls. Reforms are hard to implement and even harder to maintain.
The ancient Greeks had a first go at it, balancing between oligarchy and democracy. Still, their finest time came with the rule by Pericles, a populist oligarch, the golden age marking also the beginning of the end for Athens. They originality later vanished into becoming another Roman conquest, a source of teachers and philosophers for the aristocracy.
The Romans created a successful Republic and later turned it into an Empire. Everybody learns today that the assassination of Julius Caesar was actually intended as a last ditch defense of the Republic. The Roman Empire later fell under the invasion of the barbarians and the long night of the Middle Ages extended over the known world.
Although a couple of merchant city-states called themselves republics during this period, it was necessary to wait until the eighteen century for the American Colonies to revolt and become a democracy and a Republic. Then, the French Revolution also eventually organized itself as a Republic, before degenerating into an Empire and engulfing Europe in war.
The paths towards democracy, in Europe and elsewhere, have a very checkered history. In many countries democracy is still a work in progress, while in others it is already a decaying regime.
 Another hand of cards
All this to say that it is only natural for the southern and eastern Mediterranean countries (many of them being recent and artificial colonial contraptions), to go through the convulsions associated with the birth of democratic institutions. This is an important empowerment for their citizens, the majority of them still poorly schooled and with centuries of irrational beliefs embedded in their minds. It will take perseverance to overcome the odds stacked against success and accept the many inevitable failures.
 They will also need to see off foreign interventions and competing interests, as well as to exhaust the inertia of ancestral sectarian hatred. It will take a long time, they should have all the time necessary, but the world moves ever faster these days and everybody else has already lost patience with the laggards. Not that there is any alternative to make do with the world as it is.
JSR

Friday, July 12, 2013

168 - Telefonaram de Casa...

De Lisboa...
Nos últimos dias em Lisboa, os meios de comunicação, os políticos e comentadores, as associações e sindicatos, todos (ou quase) pareciam de acordo com o facto que o Presidente ia aceitar a proposta de remodelação do governo apresentada pelo Primeiro-Ministro. Em consequência, cada qual continuava a debitar a sua cassete favorita, de acordo com os seus interesses e sem se preocupar com a situação desesperada do país. Estranha surdez ou voluntária ignorância.
Quando o Presidente fala, parece que as velhas estatísticas da OCDE indicando que os portugueses estão entre os europeus que têm mais dificuldade em compreender a informação que lhes é transmitida, continuam válidas.
No entanto, se há personalidades coerentes e previsíveis na política portuguesa, Cavaco Silva tem sido uma delas durante toda a sua carreira. Só diz o que quer e quando quer, mas faz o que diz. Não esquece os factos, não perdoa as ofensas e serve fria a vingança, a receita básica para uma longa vida política onde quer que seja. O que tem dito e feito ultimamente aponta sempre na mesma direcção: estabilidade política que garanta o cumprimento do programa assinado com os credores e a sustentabilidade do Estado após a partida da troika.
Esperar que o Presidente aceitasse uma qualquer remodelação da coligação governamental depois do ataque de hormonas de Portas (decidindo em solitário uma demissão irrevogável), ou acedesse aos pedidos igualmente egoístas das esquerdas para eleições antecipadas, é duma falta de atenção mais que surpreendente, realmente estúpida. Era perfeitamente espectável que mandasse os partidos que passam por responsáveis, os que assinaram o Memorando de Entendimento com a troika, resolverem as birras entre si e encontrarem uma solução no interesse do país e sem se preocuparem apenas com jogadas tácticas individuais.
Esperemos que seja possível, embora as probabilidades sejam pequenas. Temos que concordar, os partidos não prestam, os políticos bons são poucos, mal acompanhados e mal amados. Ou mantêm uma distância higiénica ou vão-se embora assim que podem.
...para Nova York
Visto deste lado do Atlântico, o que se passa em Portugal é o equivalente a receber uma chamada do gerente do condomínio a dizer que, mais uma vez,  um desarvorado deixou uma torneira aberta e o prédio ficou inundado.
Os bombeiros (os mercados) fecharam outra vez a água (o crédito), mas os canalizadores (os partidos) continuam a discutir se o problema foi a torneira aberta demasiado tempo (os gastos superiores ao rendimento), resultando na inundação (endividamento excessivo) ou o entupimento do escoamento (a economia em recessão não absorve os deficits). Sempre o mesmo disco rachado.
Entretanto, é preciso que os homens dos seguros (a troika) voltem a avaliar os novos estragos (queda da Bolsa, subida dos juros da dívida), para continuar a limpar e secar o prédio (fazer as reformas) e aprovem o apoio financeiro necessário (mais tempo, juros menores, mais dinheiro) para fazer reparações e melhorias (na retoma do crescimento económico). Ou então que denunciem a apólice (cortem as amarras e deixem o país ir à deriva, já chegava uma Grécia, para uma Europa sem coluna vertebral). Pequenas coisas, grandes aborrecimentos.
Só porque se trata duma chamada de casa, durante uns minutos dura a tristeza de constatar que, como todos os regimes em decadência, esta terceira república portuguesa tem sobrevivido com alguns bons profissionais aguentando uma maioria de políticos muito rafeiros.
Como se não houvesse crises mais graves a acontecer no mundo.
JSR
   

Wednesday, July 3, 2013

167 - A “Choldra”

A última crónica neste blog, chamada “A Náusea”, terminava assim: “Cuidado com os desejos que repetem sem parar os recalcitrantes. Imaginem que se realizam”.
O Tempo das Carpideiras
Do que aconteceria ou acontecerá se esses desejos se realizarem, foi dada uma primeira demonstração com a demissão do ministro das Finanças. Foi também possível ter imediatamente uma ideia do desastre que esse facto apenas, significa para a (falta de) credibilidade dum país que tenta reconquistar penosamente a sua alforria financeira. Os juros da dívida começaram a subir e a bolsa de Lisboa a cair.
Ontem, a tomada de posse da nova ministra das Finanças, a quem foram confiadas responsabilidades de rigor normalmente associadas à racionalidade masculina, contrasta com a demissão de Paulo Portas, num amuo mais próprio da emotividade feminina, ou, como disse Congreve: Hell hath no fury like a woman scorned”.
A demissão de Portas é duma irresponsabilidade absoluta, sem nenhum atenuante ou desculpa. Com a possibilidade da queda da coligação, os juros da dívida dispararam de tal forma que se perdeu o resultado dos sacrifícios feitos durante dois anos. A Bolsa de Lisboa caiu em crash, com os investidores a livrarem-se de todos os activos portugueses a qualquer preço. Num só golpe, aos olhos que contam no estrangeiro, Portugal juntou-se ao clube da Grécia e de Chipre, eurolixo.
Nas circunstâncias presentes, não é fácil para nenhum primeiro ministro encontrar alguém competente (e suicida) para as Finanças. Por um lado, é preciso manter a credibilidade junto de credores e representantes da União, do Banco Central e de outras instituições internacionais. Por outro, tentar ao mesmo tempo satisfazer as sensibilidades (ia escrever “hormonas”...) de prima dona do parceiro de coligação, torna a tarefa quase impossível.
A Falta de Rigor
Pior mesmo, só eleições antecipadas e a possível chegada ao governo dos socialistas. Vale a pena lembrar o que aconteceu muito recentemente em França com a eleição de Hollande. Uma pequena esperança em França (porque já conheciam o personagem) e um embandeirar em arco do PS em Portugal. Foi tudo por água abaixo em poucos meses, não conseguiu nada, ninguém lhe liga nenhuma, os franceses mostram nas sondagens (e eleições locais) que até lhe preferem a extrema direita. E ainda há “anjinhos” que acreditam que a chegada do PS ao governo seria diferente no nosso país.
Portugal gasta mais do que produz, está falido e endividado, portanto tem que reduzir despesas nos serviços do estado e pagar as dívidas, para poder viver dentro dos seus meios. Qualquer governo tem e terá que resolver estes problemas. “Muito claramente”, sr. Seguro, “qual é a pressa” em saltar neste caldeirão, sem ideias, sem programa, sem competência?
Dos muitos problemas de que sofre a sociedade portuguesa, a falta de rigor é certamente o pior. Nunca é fácil governar este país, porque quando tem dinheiro esbanja em vez de investir, e quando não tem, o que acontece a maior parte do tempo, ninguém se entende.   
A “Choldra”
Não é verdade que o rei D. Carlos tenha usado esta expressão para se referir ao povo ou à classe política do seu reino. Foi mais uma calúnia, entre tantas outras, inventada por gente que, esses sim, efectivamente mereciam o epíteto.
Pesquisa-se para trás na história, tanto quanto se queira, lê-se o que escreveram os cronistas, historiadores e escritores de cada época e encontram-se descrições, sérias ou sarcásticas, da mesma “tropa fandanga” de açambarcadores da coisa pública, sugadores de benesses de reis e governos pródigos, abusadores de privilégios de classe sobre a generalidade da população. A regra constante tem sido sempre tentar viver à custa do Estado e dos poucos que produzem riqueza, por apropriação de bens ou obtenção de rendas ou empregos.
Em relação à totalidade da população, houve na história poucos chefes com visão e estratégia, poucos exploradores, poucos conquistadores, poucos empreendedores e poucos colonizadores. Mas encontram-se muitos parasitas, muitos esbanjadores, a tentar ultrapassar complexos de inferioridade atávicos com ostentações de novos ricos ignorantes cujo ridículo ainda hoje não foi esquecido na Europa.
Nos dias que correm, a “choldra” aplica-se como uma luva a muitos políticos, jornalistas, comentadores e sindicalistas, que mentem como respiram, com a aparente convicção de quem passou a acreditar nas próprias mentiras.
Salve-se quem puder
O presente governo começou com uma única vantagem: a de não ser o despesista governo anterior. Ganhou uns pontos ao conseguir convencer portugueses competentes e desinteressados a deixarem o conforto dos seus lugares no estrangeiro para ajudarem a salvar um país falido e (mal) habituado a viver a crédito.
Tentaram durante dois anos. Travaram a queda financeira, ganharam alguma credibilidade no estrangeiro e obtiverem juros menores e mais tempo para pagar as dívidas. Mas não conseguiram vencer os interesses instalados, dos donos da economia do país aos manipuladores das massas ignorantes.
O país vai sobreviver, mas o seu lugar na Europa e na zona euro, mudaram definitivamente. A democracia coxa da terceira república e a sociedade de falsa abundância, acabaram. Portugal voltou ao terceiro mundo. Como dizia António Vitorino  a propósito do governo de Sócrates: habituem-se.
JSR

Thursday, June 27, 2013

166 - A Náusea

Dia de greve geral
Está bom tempo e devia ter ido toda a gente para a praia (“grève” significa areia, cascalho, na origem da expressão estão os trabalhadores de Paris que se juntavam no cascalho duma das margens do Sena, esperando que os viessem contratar para descarregar os barcos).
Ir à praia até nem foi má ideia, as praias estavam cheias. Mas há sempre quem tente estragar a festa, o que é uma pena, pois os tempos estão difíceis e é preciso aproveitar todos os pequenos prazeres. Logo quando há um belo dia para ir à praia, não há transportes públicos.
Como de costume, são os funcionários das empresas públicas que vão de folga, sobretudo os dos transportes que paralisam o país. Pouco lhes importa a liberdade dos trabalhadores de poderem fazer greve ou não, dependendo dos seus interesses e da sua consciência. Ficam todos reféns. Isto nem chega a ser a ditadura do proletariado, é a chantagem dos pendurados nas mamas do estado.
Ninguém foi a lado nenhum
Aqueles que não puderam ir à praia, também não apareceram nas manifestações, não há pequenas vinganças. As televisões bem tentaram disfarçar, com a falta de ética do costume, mas por pouco não havia mais dirigentes de palanquim a falar do sucesso excepcional da greve, do que participantes nas concentrações. As declarações falsas são uma praga para a democracia, porque fazem falta sindicatos credíveis para negociar com realismo e enquadrar os perturbadores.
As declarações económicas dos sindicalistas também não resistem à avaliação duma dona de casa: primeiro gasta-se em tudo o que for necessário e depois é que se fazem as contas (ouvido na TV). Como é que se define o necessário? Quando o bolso da dona de casa estiver vazio e mais ninguém lhe vender fiado, terá que ir falar com estes sindicalistas, não acham?
Sem ironias, o país sofre de graves crises, combinando austeridade, recessão, desemprego e confusão política. É natural que quem se sinta injustiçado se manifeste, proteste contra a situação, queira trabalho e melhores condições de vida. Mas já não é natural que o faça sem pensar onde estão os seus verdadeiros interesses e a sobrevivência do país. Não é natural que, apesar dos progressos da educação e da liberdade de informação, ainda haja tanta gente a acreditar nos lobos disfarçados com peles de cordeiro, que acabam por os devorar, como sempre, porque a credulidade é atávica.
Os caminhantes sem destino
Por favor, que alguém explique a razão desta greve, acerca da qual o cura da CGTP disse já saber que o governo a ia ignorar e o funcionário do BES disse que a UGT só queria quebrar o jejum das marchas com os amigos. Não estará a fazer muita falta a antiga Feira Popular?
Os sindicatos são dominados pelos comunistas e seus companheiros de marcha. O que lhes interessa é defender os direitos adquiridos por uns poucos empregados, privilegiados e sindicalizados, deixando todos os trabalhadores, sobretudo os do privado, ficarem reféns de interesses que não são os seus.
A ambição de escapar ao trabalho e obter um emprego para viver pendurado no Estado ou duma empresa, vem de longe. Os “partidos dos trabalhadores” querem que Estado e empresas forneçam cada vez mais empregos, melhores salários, melhores serviços sociais. Não interessa que o Estado ou as empresas estejam falidos, esse não é o problema deles.  
O paraíso dos trabalhadores
Vale a pena analisar um pouco os objectivos desses pretendidos defensores dos trabalhadores e verdadeiros funcionários de empregos vitalícios e direitos adquiridos. Quando o paraíso dos trabalhadores comunistas foi alcançado, o que aconteceu?
A grande União Soviética implodiu, apesar das suas enormes riquezas energéticas, minerais e humanas, o que lhe permitiu algumas proezas pontuais na ciência, no armamento e na indústria. Desmoronou-se, porque a ideologia do partido único e a opressão da polícia secreta, não podem substituir a competência política, económica, técnica e administrativa, nas diversas actividades do Estado. A queda foi seguida pela apropriação de todos os recursos e de todas as empresas rentáveis, por parte de oligarcas vindos do KGB, que formaram uma associação mafiosa que pôs a Rússia e outras repúblicas a saque. Na China os “princelings”, descendentes dos companheiros de Mao, arregimentaram a população ao seu serviço e para enriquecimento próprio, num sistema de capitalismo selvagem. Na Coreia do Norte, a paranóia deu num regime militar, brutal, hereditário e ridículo. É isso que os comunistas querem para Portugal?
Vamos lá recapitular:
O país faliu, ninguém lhe queria emprestar nem mais um tostão furado. Precisou de pedir ajuda financeira externa, elegeu um novo governo para pôr a casa em ordem, uns quantos peregrinos aceitaram lugares no governo para lutar contra os interesses instalados, os direitos adquiridos, o despesismo e a corrupção generalizada. E o que aconteceu? Aqui d’el rei que as coisas estão a mudar. Protestos, manifestações, greves. Nas finanças há um contabilista a fazer contas e a dizer que não há dinheiro para continuar a viver como se não houvesse amanhã. É preciso fazer economias, quase todos concordam, mas só naquilo que não causa transtorno a cada um dos protestantes. Os outros que paguem. Quais outros? Os ricos, os que têm salários ou reformas “milionárias” (em escudos...), que já pagam impostos extorsionários, porque os verdadeiros ricos há muito que se puseram a salvo. Há sempre uns bodes expiatórios apanhados com a boca na botija a dar maus exemplos que devem ser reprimidos, mas sem importância estatística. Se não há ricos e malandros suficientes no país, então devem pagar os países ricos da Europa. Porquê? Não estão já pagar o suficiente? E quem os pode obrigar? Há sempre quem venha dizer “muito claramente” que não sabe, não quer saber e detesta quem sabe. Querem apenas trocar de lugar com os que estão no poleiro, para depois fazerem o mesmo ou pior.
Emprego ou trabalho?
As palavras que se usam são sempre reveladoras do que se pensa e daquilo em que se acredita. Vejam-se os países onde se usa a palavra “emprego” (ou equivalente em cada idioma), em vez da palavra “trabalho”. São os que estão em dificuldades. Coincidências ou não?
Em Portugal não se procura trabalho, procura-se emprego, de preferência no Estado, e mesmo no privado com progressão por antiguidade em vez de avaliação de qualidade e garantias contra o despedimento por incompetência. Falta de emprego, desemprego jovem, estatísticas do desemprego. Por pouco a International Labour Organization não foi traduzida como Organização Mundial (das cunhas e) do Emprego...
A Náusea
Nos anos 60 do século passado, quando Jean-Paul Sartre ganhou (e recusou) o prémio Nobel, não havia em Portugal gato nem cão com pretensões intelectuais que não carregasse “La Nausée” debaixo do braço. Éramos todos existencialistas e, mesmo que achássemos que toda aquela procura palavrosa da consciência era uma seca, considerávamos que isso se devia à nossa ignorância. Com o tempo e a experiência perde-se a insegurança e podemos confessar  que Sartre e os existencialistas foram importantes na evolução do pensamento do seu tempo, mas lá por isso não deixaram de ser uns filósofos chatos e complicados.
A política portuguesa está assim. Poucos querem efectivamente resolver os verdadeiros problemas do país, mas procuram apenas ganhar popularidade dizendo ou escrevendo coisas que pensam que a maioria quer ouvir.
De vez em quando é preciso questionar as ideias feitas, porque a irracionalidade das multidões é bem conhecida na história e bem estudada pela psiquiatria. Os xamãs, os sacerdotes, os caudilhos, os ditadores, os grandes comunicadores, conseguem demasiadas vezes transformar grupos de pessoas individualmente sensatas em massas acéfalas, capazes de todos os crimes e de todos os comportamentos auto-destrutivos. 
Cuidado com os desejos que repetem sem parar os recalcitrantes. Imaginem que se realizam.

JSR 

Sunday, June 2, 2013

165 - A Romagem dos Marretas

Juntaram-se recentemente uns quantos marretas na Aula Magna da UCL, a pedido do pirómano Soares, do pateta-alegre, perdão, do poeta Alegre e dos penitentes catastrofistas do costume. Juntaram-se em romagem os marretas-mor do reino. Não valeria a pena perder tempo com o assunto ou sequer mencioná-lo, que não merece, mas foi surpreendente o efeito de eco que lhe foi dado pelos órgãos de comunicação ("comunicação", por oposição a "informação").
Depois da “brigada do reumático” no fim da ditadura de direita, de má memória, temos agora a “brigada da senilidade” dos saudosistas das ditaduras de esquerda, que perderam a memória. Num caso como noutro, uma demonstração de desespero por falta de protagonismo, tão ridícula como inútil.
Na aula magna o vazio de substância foi ensurdecedor, até o bloco de esquerda sozinho faz melhor... Esta gente endoideceu. Clamar por revoltas, atentados e revoluções em tempo de crise, é próprio de quem deixou de aprender com a experiência. De quem congelou numa idade do gelo da memória. De quem não se apercebe que já pertence ao arquivo morto da história.
Estavam lá também alguns dos “despenteados por dentro do crânio”, uma fauna em crescimento demográfico, talvez devido à progressiva diminuição da inteligência média das populações (pelo menos é o que pretende um estudo (?) da Universidade de Amesterdão, muito noticiado recentemente, como tendem a ser todas as idiotices que os jornalistas chamam “de interesse humano”...).
Não, estas romagens não acontecem porque a estupidez humana está a aumentar, mas sim porque há gente irresponsável que não consegue parar de debitar todas as fantasias e enormidades que lhes passam pela cabeça, geralmente sem conhecimento, sem estudo e sem reflexão. Gente que não existe sem as luzes da ribalta, gente que se transformou em hologramas que desaparecem quando a luz se apaga. Para se manterem sob os holofotes são capazes de tudo, todas as contorções, todas as contradições, todas as explorações.
Neste momento, o que “está a dar” é a exploração das dificuldades reais do país e dos portugueses, a hipocrisia de ganhar popularidade à custa das tragédias dos outros. Querem lá saber das medidas que o país realmente precisa para endireitar as finanças e recuperar a economia. Que o actual governo vá conseguindo alguns progressos, embora insuficientes, só sublinha a incompetência dos governos anteriores, uma coisa que os marretas não podem suportar. E repetem até enojar que este governo legitimamente eleito deixou de ter legitimidade (então quem tem?); que não acerta “nos números” (quais números? os da lotaria? sabem que a economia não é uma ciência exacta? sabem que nunca nenhum governo acertou “nos números”, pois estes são por natureza evolutivos?). 
Francamente, este frenesim lembra o ditado latino: Asinus asinum fricat (em tradução livre: os burros coçam-se uns aos outros)...

JSR 

Saturday, June 1, 2013

164 - E-Government

Aconselho vivamente a ler esta entrevista e o relatório a que se refere. Destina-se a todos aqueles que se interessam pela realidade das coisas e não apenas pela sua aparência e pelo ruído mediático, quase sempre enganadores.
Gostaria, tal como muitas pessoas esclarecidas, de trazer este Centro para Portugal. Estamos a fazer tudo por isso, para, como se dizia em tempos antigos: o bem da nação.
“Tomasz Janowski, head of the Center for Electronic Governance at UNU-IIST, was interviewed as part of the panel of experts and policy makers by the Economist Intelligence Unit (EIU) about the United Nations (UN) e-Government Survey.”
Para ler a entrevista, carregar em:
Para ler o Relatório, carregar em:
Chamo a atenção em particular para os capítulos seguintes do relatório:
“...
- Benefits of e-government           
- Getting the most out of public funds           
- Boosting computer literacy           
- Encouraging citizen participation           
- Investing in infrastructure and delivery           
- Trends in e-government           
- Growing demand for transparency and accountability           
- Targeting corruption
- ...”
Boa leitura.
JSR

Friday, May 24, 2013

163 - Ainda há Socialistas Competentes na Europa

Começam a tornar-se raros, mas ainda sobram uns quantos, daqueles que ajudaram a lançar a união dos países europeus, a começar a fazer uma Europa que possa resistir à globalização sem perder os seus valores.
Gerhard Schröder, antigo chanceler da Alemanha e Jacques Delors, antigo Presidente da Comissão Europeia, contribuem agora com os seus conselhos - num artigo no International Herald Tribune - para que o investimento no futuro de todos, não se perca pela incompetência de alguns.
É um artigo oportuno, sobre as relações entre a democracia, o emprego e o crescimento na Europa. Particularmente quando socialistas de vários países, por ignorância, hipocrisia ou tacticismo político de vistas curtas, confundem as causas e as consequências da crise económica. Por um lado, esquecem-se que sem as reformas nacionais dos respectivos estados sociais, estes não conseguirão sobreviver; que sem o equilíbrio entre receita e despesa, nenhum país tem credibilidade; que os parceiros da União já definiram claramente e por tratado, que nenhum país pode esperar viver de transferências financeiras à custa dos outros. Por outro lado, por muito gravosas que sejam as consequências para as pessoas, para as famílias e para as empresas, provocadas pelo desemprego, pelas reduções de salários, pelos aumentos de impostos, pela redução do consumo interno, usar este pesadelo como chantagem - sem ter nenhuma alternativa racional - contra as medidas que tentam resolver as causas destes problemas, é duma grande falta de responsabilidade.
Como escrevem Schröder e Delors, a crise dos últimos anos empurrou a Europa para uma maior integração:
“The economic turmoil of the past several years has pushed Europe toward greater integration, starting with financial stabilization and a banking union that is still a work in progress. Everyone now recognizes that a single currency zone without a common fiscal policy invites the kind of crisis we have all been experiencing. Europe has reached this stage grudgingly and with great strain, through agreements among national government leaders in which many see the largest and most powerful states as undemocratically foisting their policies on the rest. (…)”
Todavia, começam a aparecer partidos e movimentos que acreditam em soluções e nacionalismos retrógrados: 
"We are now seeing the worrying rise of political parties and movements whose supporters seem to think nationalist assertion will free them from the common imperatives of governing Europe, or who believe protectionism will enable them to escape addressing Europe’s lack of competitiveness. (...)”
As lições que se devem aprender das reformas que já tiveram lugar na Europa, são: primeiro, que estas levam tempo para produzir resultados, o que pode ser problemático para políticos que enfrentam eleições; segundo, as reformas estruturais só funcionam com crescimento e a Alemanha deve agora ajudar os países em dificuldade que fizeram progressos na restruturação das suas finanças, como Portugal, caso contrário as economias nacionais correm o risco de serem estranguladas pela austeridade:
"There are several lessons to be learned from the reform efforts we have seen so far in Europe. First: There is a gap between the time the painful decisions are made and the time when the reforms take effect. This can — as in Germany — take up to five years. It can be problematic for politicians when elections take place during this time span, as we’ve just seen in Italy. Second: Structural reforms can only work in conjunction with growth. (…) Germany must now give its European partners this same opportunity. Greece, Ireland, Portugal, Italy and Spain have made progress in restructuring their finances. Cyprus will also have to go this route. The economic and political situation in these countries also shows that savings alone is not a means for overcoming the crisis. On the contrary: There is a risk that national economies will be quasi-strangled by the strict austerity policy." 
Há necessidade de solidariedade entre os parceiros europeus, assim como há compatibilidade entre austeridade e crescimento:
"To the degree that they are making structural reforms, they also need help, as these countries show. There must always be a correlation between the willingness to engage in structural reforms on the one hand and the willingness to show solidarity on the other. There is no ‘either growth or austerity.’ We are convinced that the two can be combined in a meaningful way — they must be combined. We need budgetary discipline; we need structural reforms; but we must also add growth components to the austerity program. A key area here is the fight against youth unemployment in Europe. We cannot accept that a “lost generation” is growing up in Europe because in many countries more than half of the young people are without jobs. European leaders attending the Berggruen Institute’s ‘town hall’ meeting in Paris on Tuesday will address this issue with a proposed “new deal for Europe.” This is where the responsibility of the German government can come in. (…) Therefore, we need a large-scale program to tackle youth unemployment in Europe. (…)" 

As próximas eleições para o Parlamento Europeu darão aos cidadãos uma voz no nosso futuro comum. Pela primeira vez o Presidente da Comissão será eleito pelo Parlamento, o que lhe dará uma nova legitimidade democrática:
"Beyond this, the May 2014 elections for the European Parliament present the opportunity to give all European citizens a voice in our common future. For the first time since the founding of the EU, the strongest parties of the new Parliament will be able to select the executive leadership of Europe — the president of the European Commission. (…) If European citizens participate robustly in this election, the new commission president will have the same democratic legitimacy accorded any national leader in a parliamentary system. The vacuum of authority that has existed at the European level because legitimacy was lacking — and thus the incapacity to take effective action on behalf of all European citizens — will be filled. (…) Europe can work again if governments, trade unions, business and civil society all join together to support a new initiative on youth unemployment and the 2014 efforts to bring greater democracy and legitimacy to European government."
O artigo termina com a evidência que a Europa pode voltar a funcionar se os governos, os sindicatos, as empresas e a sociedade civil se juntarem para apoiar o nova iniciativa para o emprego dos jovens e 2014 trouxer mais democracia e maior legitimidade ao governo Europeu.
JSR

Sunday, May 12, 2013

162 - As Reuniões dos “Antigos”

(Vêm estas considerações a propósito da reunião dos antigos alunos do Liceu de Setúbal, no passado dia 4 de Maio de 2013).
As reuniões de “antigos” qualquer coisa, provocam sempre estranhos sentimentos. Que já não somos aquilo que fomos, alunos de Liceu, colegas de Faculdade, companheiros de armas ou de outra actividade. O que quer que tenha sido, já não é, mas a reunião indica que os participantes conseguiram sobreviver o tempo suficiente para poderem olhar para traz e fazer o balanço.
Reuniões...
De todas estas reuniões, as dos antigos alunos do ensino secundário são certamente as mais comoventes, sobretudo quando juntam colegas que se tinham perdido de vista desde há meio século ou mais. Comparar evoluções e experiências neste caso é sempre fascinante. Os outros tipos de reunião já são por natureza menos inocentes, já estão demasiado contaminados pela competição de interesses profissionais, por hierarquias sociais, ou pela partilha de experiências comuns, exclusivas e em circunstâncias especiais.
Por isso essas reuniões começam com a alegria de nos imaginarmos uns aos outros como fomos, continua com a nostalgia da juventude que passou sem regresso e acaba com a realização que nos resta pouco em comum. Crescemos mentalmente de forma diversa e tornámo-nos em estranhos de nós próprios, que nem sempre se reconhecem no espelho do olhar dos outros nem na imagem que guardamos na memória.
...e tempo de balanço
Ao fazer o balanço do último meio século, é extraordinário o que se passou neste país, no mundo e nas consequências para cada um. A emigração dos camponeses e o exílio dos políticos, a guerra colonial e a revolução começada em 1974. A expansão económica e a influencia cultural americana no rasto das guerras que outros começaram. A guerra fria e o perigo nuclear. O Vietname e Woodstock. Maio de 68 em Paris. Um Russo em órbita terrestre e dois Americanos na Lua.
Chegaram o fim dos impérios coloniais e o fim das ditaduras na Europa do Sul. A queda do muro de Berlim e a desagregação soviética. A progressiva união dos países europeus. A generalização das guerras locais e do terrorismo. Os estertores extremistas do islamismo (a última grande religião a proteger pela violência o seu capital de ignorância diante do avanço da razão e do progresso). As crises do capitalismo global, as grandezas e as misérias dos estados sociais.
A vida que passa...
Na vida de cada um, as diferenças podem parecer grandes mas são realmente superficiais. A mesma luta por um lugar ao sol, para sobreviver aos obstáculos, encontrar o seu caminho, partilhar as experiências, possivelmente criar uma empresa e uma família. Na hora do balanço, olhar para trás com mais ou menos felicidade e medir o tempo percorrido com as marcas deixadas nos outros.
Distinguem-se as pessoas, como os países, entre os que se afogam nos acontecimentos negativos, enquanto outros os ultrapassam e conseguem manter um balanço positivo. São os primeiros que mais tarde se apercebem de quando foram felizes sem darem por isso. Os segundos olham para os desastres passados como provas de sobrevivência que sempre fizeram parte de todos os percursos e que é preciso ultrapassar.
...vale sempre a pena
O sucesso pessoal é sempre relativo às expectativas que se criaram quando se pensava que tudo era possível e à realização posterior de que a vontade pode ser grande mas o tempo é sempre curto. Mesmo que se empurre os limites para além do normal, da média, os limites acabam sempre por ganhar. Cada etapa tem um fim e chega sempre o fim de todas as etapas.
E aqui nos encontramos, a comparar as histórias de cada um, que com mais ou menos cor e movimento neste ou naquele período, chegam sempre ao cinzento que começa por nos invadir o aspecto exterior e acaba por nos devorar o espírito. Para todos, por igual, tudo acaba, subitamente ou aos poucos.
Agradecimentos
Finalmente, uma palavra de agradecimento para quem organiza as reuniões. Todos os que participam ficam em dívida para com estes guardiões da memória, que actualizam os ficheiros, mantêm os contactos, combinam datas, negociam lugares, recebem as participações, pagam as contas, por vezes ficam com os prejuízos e ocasionalmente ainda têm que aturar alguns descontentes...
Porque a reunião poderia ter acontecido num lugar mais tranquilo, porque poderia ter sido à beira-mar, porque... É certo que é sempre possível fazer melhor. Mas quando se tomam decisões, tomam os que lá estão, os que trabalham. Para estes o reconhecimento devido e para os outros um encorajamento para que avancem com as boas ideias a tempo e horas. Para a próxima vez... com os desejos que ainda cá possamos estar todos nessa altura.
JSR

Tuesday, May 7, 2013

161 - As Mulheres da Fonte Nova

Alice Brito escreveu, com este título, um romance interessante para os leitores em geral e de contexto especial para alguns. Para estes, são histórias e costumes dum passado ainda bem presente na memória, de um lugar diferente por tantas razões que é difícil decidir por onde começar e até que ponto recuar no tempo.
As mulheres pertencem ao largo da Fonte Nova, como a Fonte Nova pertence ao bairro de Troino, como Troino pertence à cidade de Setúbal, como Setúbal pertence ao conceito de anti-capital por natureza. Porto, feitoria de povos mediterrânicos, entreposto atlântico, mais cidade-estado nas suas raízes históricas do que outra coisa.
Na época descrita no romance, do princípio ao meio do século XX, eram ainda visíveis os genes populacionais, as ruínas arqueológicas e as inscrições, deixados pelos povos do mar, tanto ou mais do que os vestígios do fluxo e refluxo dos impérios.
Para quem não conheça a cidade de Setúbal, o seu carácter revela-se por duas personagens históricas que aí viveram pouco, mas aí se definiram: D. João II e Bocage. D. João II casou nesta cidade, onde mais tarde assassinou o cunhado para acabar com as conspirações com Castela e onde tomou algumas das decisões que o tornaram no rei mais importante da história de Portugal. Bocage, um dos maiores poetas portugueses e certamente dos mais complexos, o mais sarcástico em relação às autoridades civis ou religiosas, e o mais recalcitrante aos costumes e normas sociais.
A ficção deste livro, obviamente de inspiração biográfica, é dialogada com uma consciência crítica, as personagens podem ser inventadas (são mesmo?) mas num contexto de figurantes reais e os acontecimentos podem ser romanceados mas (a maior parte?) são baseados em factos reais. Os lugares descritos, sobretudo o próprio Largo da Fonte Nova e ruas adjacentes, o bairro de Troino, o tempo, a atmosfera, os tipos humanos, todas essas coisas eram vistas de perspectivas diferentes de acordo com o género e os interesses dos habitantes.
A autora, tal como as mulheres que descreve, revela um sentido agudo de consciência social, de como funcionavam os preconceitos contemporâneos e a ubiquidade de coscuvilhice das comadres. Por um lado, a pobreza de muitas famílias dependentes das incertezas da pesca e do trabalho nas fábricas de conservas, assim como o papel da caridade e da incipiente assistência praticadas na época. Por outro lado, as relações de dependência quase feudal entre o povo e a pequena burguesia local, sobretudo a fabriqueira. 
Outros olhos viam outras coisas, ou as mesmas coisas de forma diferente. Viam uma gente de auto-suficiência feroz, de disciplina marítima na obediência aos arrais dos barcos, homens gregários e querelentos em terra, desconfiados de bufos da polícia política de então, a quem deixavam a sobrevivência curta e os corpos do delito no meio do mar. Contavam-se as histórias, mas nunca havia provas. As mulheres pediam perdão na igreja pelos pecados dos homens, que esperavam nas tabernas...
Podia-se viver no bairro e só o conseguir penetrar mais profundamente por eclipses: a visita à rua do Castelo para saber porque um colega tinha faltado ao Liceu (estava com paludismo, sim, ainda havia), a ida ao convento do Viso (após inquérito duma tia-avó na capelista) levar dinheiro e pertences a uma antiga criada que desaparecera subitamente (juntara-se com o leiteiro... aquele que transportava as bilhas de bicicleta), ou as expedições de acompanhamento (mais ou menos forçado) às meninas de S. Vicente que regularmente distribuíam roupas e comida aos mais necessitados.
Esse tempo passou definitivamente, como passaram as pessoas, como passam as épocas, como muda a alma que ocupa temporariamente os lugares e as coisas. Desapareceu o pequeno comércio tradicional, multiplicaram-se os restaurantes, num ou noutro dos quais se continua a comer o melhor peixe e marisco do mundo, tudo isto temperado por uma boa dose da nostalgia ambiente.  O romance acaba de forma um pouco elaborada, reflectiva e definitiva. Tinha que ser, porque a nostalgia tem que ter limites, mesmo num bom livro.
JSR

Thursday, April 25, 2013

160 - A 25 de Abril de 1974, aconteceu o quê?

No voo de Nova York para Paris, o comandante informou os passageiros que tinha havido um golpe de estado em Portugal. Havia tropa nas ruas, o aeroporto estava fechado e não se sabia bem o que se passava porque a informação era escassa.


O golpe militar
Horas mais tarde, em Paris a informação era abundante em detalhes dos acontecimentos ligados ao golpe militar e contraditória quanto aos seus objectivos. Jornais e televisão começavam uma cobertura noticiosa compulsiva, ao ponto de durante dois ou três anos se estar mais bem informado em Paris do que em Lisboa.
Para a França em vésperas de eleições, Portugal foi usado como exemplo de esperança das esquerdas primeiro e como vacina contra os seus excessos românticos, depois. Giscard ganhou as eleições à custa do medo de contágio do perigo comunista português.
A revolta dos capitães
Um movimento classista de oficiais das forças armadas queria a abrogação dum decreto-lei que os prejudicava. Depressa se aperceberam que não se negocia com fantoches. Assim se transformou uma demonstração de descontentamento em revolução.
No que diz respeito a revoluções, a Abrilada não começou assim tão mal, com muita confusão, algumas confrontações e poucas mortes. Podia ter sido muito pior, se considerarmos que os militares que souberem planear profissionalmente o golpe de estado, não tinham a mínima ideia do que se ia passar a seguir. Mais uma vez se demonstrou que a guerra é demasiado importante para ser deixada aos generais, como disse Clemenceau.
O fim do Ramadão
Ou da Quaresma, ou de qualquer outro período de restrições e penitência, como foi a ditadura após a segunda grande guerra. Enquanto o resto da Europa seguia os Estados Unidos na expansão da economia e dos direitos civis, em Portugal as finanças tinham melhorado, mas ao preço duma paz social obrigatória e duramente imposta.
Após o 25 de Abril, hippies, anarquistas, esquerdistas e libertários de todas as cores, começaram imediatamente a sua migração para Portugal. Encheram-se os aviões, os comboios, as boleias dos carros e camiões, os parques de campismo, as praias e as casas da malta. Foi uma festa. “Avril au Portugal” tornou-se num longo Woodstock.
A revolução dos perdigotos
Vir a Portugal logo a seguir ao 25 de Abril e mesmo nos meses seguintes, era sempre uma prova de resistência. Aos micróbios transmitidos pelos perdigotos dos palradores incansáveis com ideias novas, novas para eles. Às agulhas que voavam das mãos das costureirinhas, apressadas a virar casacas mais depressa do que conseguiam pensar. À pressa de estar na última moda política e de viver no ar do tempo.
Simultaneamente, veio a revolução dos costumes. Se havia liberdade, era para tudo. Não se reconheciam os amigos, tinham um ar diferente, diziam coisas disparatadas, tinham novos cônjuges ou companheiros, viviam noutros lugares. Ao incómodo dos perdigotos, juntava-se o perigo de contágio dos piolhos, das pulgas e dos chatos mal lavados, com cabelos por cortar e barbas por fazer, a confundir liberdade com libertinagem. Bons tempos, porque o pior estava para vir.
Das extremas esquerdas ao extremo centro...
Os democratas seculares e liberais, que no “tempo da outra senhora” eram objecto de perseguições e conselhos de prudência por exprimirem ideias perigosas, tornaram-se em poucas semanas, nas palavras dos anteriores “calados e arrumadinhos”, em burgueses reaccionários.
Os novos “barulhentos e desarrumados”, atropelavam-se em comícios, marchas e greves, na pressa de ficar à esquerda da extrema esquerda. O partido comunista, a única força de oposição organizada ao anterior regime, tornou-se para os apressados mais um partido burguês, estalinista e burguês, nesse tempo não havia contradições. Nesse tempo ninguém ia além da esquerda até mais ao centro... da esquerda.
As mós do tempo
A revolução chutou o pêndulo, da repressão até à exaltação, e depois, das liberdades populares à definição escrita dos seus direitos e desejos na Constituição. O país mudou, em geral para melhor. A maioria dos cidadãos pode escolher os seus representantes políticos e eleger quem os governa. Há menos pobreza e mais educação. O estado social chega à quase totalidade da população, que vive melhor, de melhor saúde e por mais tempo.
Mas a realidade tem o dom de triturar as ilusões entre as mós do tempo. Desconjuntaram-se o império colonial e a economia, o país perdeu a credibilidade e o crédito, foi preciso chamar o FMI por duas vezes para evitar a bancarrota total. O progresso foi  conseguido à custa de empréstimos para cobrir deficits orçamentais, da colusão de políticos, de financeiros e de empresários para se apropriarem dos recursos do estado, da corrupção generalizada, da implosão da justiça.
O preço da palha
Quase quarenta anos após o 25 de Abril, haverá em Portugal burros suficientes para comerem toda a palha produzida pelos demagogos actuais e que lhes é servida pelos meios de comunicação? Mais uma crise, mais uma bancarrota a necessitar a terceira vinda do FMI, agora parte duma troika onde os outros dois cavalos são europeus, representantes da Comissão e do Banco Central da União.
Os salvadores da pátria aparecem em todas as conversas, todos os programas e jornais, são citados vezes sem conta em todos os noticiários, são os “crowd pleasers”, os que dizem e repetem os chavões e fantasias que as cabeças ocas querem ouvir nestes tempos de crise: política acima da economia, mandar embora a troika, não pagar as dívidas, redistribuir a riqueza, fazer pagar os países do norte, aumentar os salários, aumentar os apoios sociais, uma nova aparição da Nossa Senhora de Fátima, o milagre da multiplicação dos pães, o maná a cair do céu nesta travessia do deserto...
Os factos e os argumentos 
Há neste país uma quantidade suficiente de gente competente e esclarecida que descreve a situação actual com factos e números indiscutíveis, que usa a razão para indicar as alternativas possíveis e os caminhos que podem ser seguidos. Na sua maioria, esses passam discretamente na televisão ou escrevem artigos em jornais que depois têm uma repercussão limitada.
Mas são esses também quem critica de forma realista. Em vez de chavões patetas, exigem que o governo faça as reformas estruturais indispensáveis, corte as rendas dos monopólios da energia, dos transportes, das estradas, corte os abusos nas empresas estatais para poderem melhorar a produtividade. Em vez de disputas e manifestações de partidos nos quais já ninguém acredita, exigem a revisão da Constituição, da legislação que manieta a justiça, do número de deputados e da sua representatividade, exigem a optimização das divisões administrativas e a redução da burocracia.
O todo e as partes
Portugal não está a funcionar como estado, porque os cidadãos têm concepções diferentes dos seus direitos e deveres, assimilam a democracia à prosperidade, pensaram que a Europa era a nova árvore das patacas ou outra mina de ouro do Brasil. Tudo isto com o mínimo de maçadas possível.
A União Europeia não está a funcionar, porque cada país que a compõe tem concepções diferentes do que a União significa e de como o seu progresso se deve fazer. Há membros sérios e outros que não o são. O palhaço que foi o terceiro candidato mais votado nas eleições italianas, acaba de pedir que os alemães tomem conta do país para que este possa ser governado com honestidade e competência.
A globalização foi iniciada pela Europa e agora são os europeus quem sofre mais das suas consequências. Por falta de competência e excesso de diversidade.
É altura de avaliar seriamente a proposta de Obama para uma união atlântica. A OTAN/NATO tem funcionado satisfatoriamente.
JSR