Friday, November 5, 2010

8 - Leão Tolstoi na Beira Interior

Camille Pissarro - deux paysannes
Passar o fim de semana de Todos-os-Santos na Beira Interior é uma viagem no tempo. Um tempo não muito remoto, a grande maioria dos portugueses está ainda ligada à terra e aos seus costumes. Há os que vivem no campo, os que lá têm os pais ou os avós, ou que ainda têm propriedades que herdaram destes, e finalmente há os que voltam para lá porque restauraram casas ou adquiriram terras.
Enchem-se as aldeias, os cemitérios e os mercados. Casas fechadas quase todo o ano abrem portas e janelas. É o grande marco do ano agrícola, pagam-se ou recebem-se rendas do ano que terminou e fazem-se contratos para o futuro.
Passam invasores, fazem-se revoluções, mas as relações entre os camponeses, os proprietários de terras e o poder, qualquer que ele seja, continuam semelhantes. O que Leão Tolstoi escreveu no seu livro “Ressurreição” é ainda actual *:
Nekhludoff spoke clearly, and the peasants were intelligent, but they did not and could not understand him, for the same reason that the foreman had so long been unable to understand him. They were fully convinced that it is natural for every man to consider his own interest. The experience of many generations had proved to them that the landlords always considered their own interest to the detriment of the peasants. Therefore, if a landlord called them to a meeting and made them some kind of a new offer, it could evidently only be in order to swindle them more cunningly than before.”       
Enquanto o poder é do tipo feudal e a economia se baseia na agricultura, as relações entre as classes camponesas (senhores e trabalhadores) mantêm-se e replicam-se ao longo de gerações. Quando a economia se diversifica e a urbanização predomina, entra-se num ciclo de renovação social.
Os senhores e os camponeses que conseguem furar a barreira social (administrando as terras de outros, adquirindo as suas próprias terras e enriquecendo), uns e outros enviam os filhos para a cidade a estudar. Os filhos acabam por ficar na cidade, mas vêm regularmente visitar os pais e interessam-se pelos lugares onde nasceram e as propriedades que aí possuem. Quando os pais morrem, entregam a administração a feitores ou familiares, alguns dos quais progressivamente enriquecem por sua vez. Quando os filhos dos proprietários originais morrem, os netos vendem as terras aos feitores ou a outros camponeses que assim aumentam as suas posses. Os quais mandam os filhos estudar para a cidade e o ciclo recomeça.
A pouco e pouco, ou por vezes muito rapidamente, dependendo dos lugares e das circunstâncias, a população rural diminui e um novo fenómeno acontece. Com a rarificação da mão de obra, os proprietários ausentes conseguem rendas cada vez mais baixas até que têm que entregar as terras aos rendeiros (que já não justificam o nome) apenas em troca de que o seu aproveitamento para cultivo, pastagens ou floresta, evite que se tornem em mato selvagem. Quando isso acontece é preciso então pagar a alguém para as voltar a desbravar e as manter limpas. Até que mais tarde os descendentes se cansem e as vendam. São as sociedades agrícolas, muitas estrangeiras, que vão comprando as parcelas e reconstituindo latifúndios.
O grande ciclo completa-se com o retorno ao feudo, desta vez informatizado e mecanizado. Continua a haver uma classe de servos da gleba, cujo número se reduz, embora sejam cada vez mais bem pagos. Como resultados da lei da oferta e da procura, da evolução da economia e de muitos anos de miopia politica,  progride a desertificação do interior, aumenta a dependência externa e diminui a riqueza nacional.
JSR

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