Friday, March 11, 2011

29 - O Discurso do Presidente e o Discurso do Rei

"The Preacher" by JoeRay Kelley
Published 17/3/2011 by "Jornal do Fundão". 

        Para além do pequeno lapsus linguae, ao dirigir-se a si próprio (Ex.mo Senhor Presidente da República... em vez de ao Presidente da Assembleia da República), há um ponto comum entre o discurso de tomada de posse do Presidente português, e o discurso do inglês George VI descrito no filme “O Discurso do Rei”.
O ponto comum são as circunstâncias históricas. Portugal não está no mesmo tipo de guerra total em que se encontrava a Inglaterra nessa altura, mas está também numa guerra de sobrevivência nacional.
O discurso que George VI pronunciou, superando a sua gaguez, foi um encorajamento aos povos do seu Império para superarem as dificuldades da guerra e resistirem, lutarem pela sua liberdade e os seus valores. Assumia sem hesitação que todos os povos do Império Britânico partilhavam os valores da opinião pública da Inglaterra.
O discurso do Presidente foi mais do que “a shot across the bow” ao seu governo, mais do que uma advertência à classe política portuguesa, foi um ultimato à sociedade e ao povo português. O governo está a prazo, o regime em risco, a democracia ameaçada, porque o país está em bancarrota. Ou a opinião pública  portuguesa, a começar pelos partidos políticos e continuando pela sociedade civil, têm um sobressalto de consciência da realidade, ou o país desaparece como entidade independente, perde o pouco de soberania que lhe resta.
A integração europeia foi e é, o único caminho possível para que o país aspire a  um futuro minimamente próspero. O que correu mal foi a repetição de erros atávicos: o falhanço das reformas indispensáveis (do ensino, da economia, da justiça), a avidez descontrolada dos privilegiados pelo poder político, o lucro fácil das elites financeiras à custa da ignorância das classes populares, através dum encorajamento avassalador ao endividamento. E um erro novo: aumentou a necessária solidariedade social, mas sem garantir a existência de meios para a pagar. Tudo isto financiado por empréstimos exteriores, que também atavicamente acabam em bancarrotas.
O país está falido, o Presidente citou o Governador do Banco de Portugal que reconhece que a situação da dívida é insustentável, e acrescentou o óbvio, que com uma economia estagnada não há possibilidade de melhoria, nem credibilidade. Os esforços do governo para evitar o inevitável, assim como a esperança de que a salvação venha da União Europeia, estão condenados de avanço. As condições de ajuda financeira, impostas pelo governo económico europeu agora em formação acelerada, não são menos exigentes do que a condicionalidade dum empréstimo pelo Fundo Monetário Internacional.
A União Europeia é uma associação de estados, com mecanismos de apoio ao desenvolvimento, mas sem vocação de assistência inter-estatal. A opinião pública dos países mais produtivos, rigorosos e ricos, não quer pagar os desvarios, a falta de produtividade e a falta de rigor dos países mais pobres. Mesmo que os países mais ricos beneficiem, e muito, com as importações e o consumo dos países mais pobres. Amigos, amigos, negócios à parte.
O que fazer? É extraordinário que num país que passou por tantas situações semelhantes na sua história recente, as bancarrotas dos últimos anos da monarquia e da primeira república, e as duas antes da presente, que já é a terceira da terceira república, ainda haja quem pretenda que não sabe o que é preciso fazer, ou faça exigências irrealistas. Mas é isso mesmo que transparece da opinião pública que se faz ouvir, as marchas, as greves, o radicalismo oportunista.
A maioria, tem que haver uma maioria da opinião pública racional que finalmente se manifeste, que exija uma aliança dos partidos responsáveis para a aplicação das medidas de saneamento financeiro, de encorajamento económico, de apoio empresarial, de reestruturação administrativa e outras, que tão eloquentemente têm sido propostas pelos bons especialistas que este país felizmente tem. Porque o tempo dos tribalismos partidários e das arrogâncias pessoais se esgotou. Leiam outra vez o discurso do Presidente, ou o do Rei, tanto faz.
E se não for possível o entendimento nestes confins da Hispânia? ... Pode-se sempre contar com o Império para nos governar outra vez, agora já não será o Romano, mas o que passa por Bruxelas, Berlim e acaba em Washington.
JSR

No comments:

Post a Comment