Thursday, April 25, 2013

160 - A 25 de Abril de 1974, aconteceu o quê?

No voo de Nova York para Paris, o comandante informou os passageiros que tinha havido um golpe de estado em Portugal. Havia tropa nas ruas, o aeroporto estava fechado e não se sabia bem o que se passava porque a informação era escassa.


O golpe militar
Horas mais tarde, em Paris a informação era abundante em detalhes dos acontecimentos ligados ao golpe militar e contraditória quanto aos seus objectivos. Jornais e televisão começavam uma cobertura noticiosa compulsiva, ao ponto de durante dois ou três anos se estar mais bem informado em Paris do que em Lisboa.
Para a França em vésperas de eleições, Portugal foi usado como exemplo de esperança das esquerdas primeiro e como vacina contra os seus excessos românticos, depois. Giscard ganhou as eleições à custa do medo de contágio do perigo comunista português.
A revolta dos capitães
Um movimento classista de oficiais das forças armadas queria a abrogação dum decreto-lei que os prejudicava. Depressa se aperceberam que não se negocia com fantoches. Assim se transformou uma demonstração de descontentamento em revolução.
No que diz respeito a revoluções, a Abrilada não começou assim tão mal, com muita confusão, algumas confrontações e poucas mortes. Podia ter sido muito pior, se considerarmos que os militares que souberem planear profissionalmente o golpe de estado, não tinham a mínima ideia do que se ia passar a seguir. Mais uma vez se demonstrou que a guerra é demasiado importante para ser deixada aos generais, como disse Clemenceau.
O fim do Ramadão
Ou da Quaresma, ou de qualquer outro período de restrições e penitência, como foi a ditadura após a segunda grande guerra. Enquanto o resto da Europa seguia os Estados Unidos na expansão da economia e dos direitos civis, em Portugal as finanças tinham melhorado, mas ao preço duma paz social obrigatória e duramente imposta.
Após o 25 de Abril, hippies, anarquistas, esquerdistas e libertários de todas as cores, começaram imediatamente a sua migração para Portugal. Encheram-se os aviões, os comboios, as boleias dos carros e camiões, os parques de campismo, as praias e as casas da malta. Foi uma festa. “Avril au Portugal” tornou-se num longo Woodstock.
A revolução dos perdigotos
Vir a Portugal logo a seguir ao 25 de Abril e mesmo nos meses seguintes, era sempre uma prova de resistência. Aos micróbios transmitidos pelos perdigotos dos palradores incansáveis com ideias novas, novas para eles. Às agulhas que voavam das mãos das costureirinhas, apressadas a virar casacas mais depressa do que conseguiam pensar. À pressa de estar na última moda política e de viver no ar do tempo.
Simultaneamente, veio a revolução dos costumes. Se havia liberdade, era para tudo. Não se reconheciam os amigos, tinham um ar diferente, diziam coisas disparatadas, tinham novos cônjuges ou companheiros, viviam noutros lugares. Ao incómodo dos perdigotos, juntava-se o perigo de contágio dos piolhos, das pulgas e dos chatos mal lavados, com cabelos por cortar e barbas por fazer, a confundir liberdade com libertinagem. Bons tempos, porque o pior estava para vir.
Das extremas esquerdas ao extremo centro...
Os democratas seculares e liberais, que no “tempo da outra senhora” eram objecto de perseguições e conselhos de prudência por exprimirem ideias perigosas, tornaram-se em poucas semanas, nas palavras dos anteriores “calados e arrumadinhos”, em burgueses reaccionários.
Os novos “barulhentos e desarrumados”, atropelavam-se em comícios, marchas e greves, na pressa de ficar à esquerda da extrema esquerda. O partido comunista, a única força de oposição organizada ao anterior regime, tornou-se para os apressados mais um partido burguês, estalinista e burguês, nesse tempo não havia contradições. Nesse tempo ninguém ia além da esquerda até mais ao centro... da esquerda.
As mós do tempo
A revolução chutou o pêndulo, da repressão até à exaltação, e depois, das liberdades populares à definição escrita dos seus direitos e desejos na Constituição. O país mudou, em geral para melhor. A maioria dos cidadãos pode escolher os seus representantes políticos e eleger quem os governa. Há menos pobreza e mais educação. O estado social chega à quase totalidade da população, que vive melhor, de melhor saúde e por mais tempo.
Mas a realidade tem o dom de triturar as ilusões entre as mós do tempo. Desconjuntaram-se o império colonial e a economia, o país perdeu a credibilidade e o crédito, foi preciso chamar o FMI por duas vezes para evitar a bancarrota total. O progresso foi  conseguido à custa de empréstimos para cobrir deficits orçamentais, da colusão de políticos, de financeiros e de empresários para se apropriarem dos recursos do estado, da corrupção generalizada, da implosão da justiça.
O preço da palha
Quase quarenta anos após o 25 de Abril, haverá em Portugal burros suficientes para comerem toda a palha produzida pelos demagogos actuais e que lhes é servida pelos meios de comunicação? Mais uma crise, mais uma bancarrota a necessitar a terceira vinda do FMI, agora parte duma troika onde os outros dois cavalos são europeus, representantes da Comissão e do Banco Central da União.
Os salvadores da pátria aparecem em todas as conversas, todos os programas e jornais, são citados vezes sem conta em todos os noticiários, são os “crowd pleasers”, os que dizem e repetem os chavões e fantasias que as cabeças ocas querem ouvir nestes tempos de crise: política acima da economia, mandar embora a troika, não pagar as dívidas, redistribuir a riqueza, fazer pagar os países do norte, aumentar os salários, aumentar os apoios sociais, uma nova aparição da Nossa Senhora de Fátima, o milagre da multiplicação dos pães, o maná a cair do céu nesta travessia do deserto...
Os factos e os argumentos 
Há neste país uma quantidade suficiente de gente competente e esclarecida que descreve a situação actual com factos e números indiscutíveis, que usa a razão para indicar as alternativas possíveis e os caminhos que podem ser seguidos. Na sua maioria, esses passam discretamente na televisão ou escrevem artigos em jornais que depois têm uma repercussão limitada.
Mas são esses também quem critica de forma realista. Em vez de chavões patetas, exigem que o governo faça as reformas estruturais indispensáveis, corte as rendas dos monopólios da energia, dos transportes, das estradas, corte os abusos nas empresas estatais para poderem melhorar a produtividade. Em vez de disputas e manifestações de partidos nos quais já ninguém acredita, exigem a revisão da Constituição, da legislação que manieta a justiça, do número de deputados e da sua representatividade, exigem a optimização das divisões administrativas e a redução da burocracia.
O todo e as partes
Portugal não está a funcionar como estado, porque os cidadãos têm concepções diferentes dos seus direitos e deveres, assimilam a democracia à prosperidade, pensaram que a Europa era a nova árvore das patacas ou outra mina de ouro do Brasil. Tudo isto com o mínimo de maçadas possível.
A União Europeia não está a funcionar, porque cada país que a compõe tem concepções diferentes do que a União significa e de como o seu progresso se deve fazer. Há membros sérios e outros que não o são. O palhaço que foi o terceiro candidato mais votado nas eleições italianas, acaba de pedir que os alemães tomem conta do país para que este possa ser governado com honestidade e competência.
A globalização foi iniciada pela Europa e agora são os europeus quem sofre mais das suas consequências. Por falta de competência e excesso de diversidade.
É altura de avaliar seriamente a proposta de Obama para uma união atlântica. A OTAN/NATO tem funcionado satisfatoriamente.
JSR

Thursday, April 18, 2013

159 - Cacofonias

A paciência esgotou-se, enough is enough. O homem parece não se dar conta que o seu prazo de validade na prateleira, ou fora dela, já foi ultrapassado há muito. Mário Soares voltou à infância intelectual e, curiosamente, muitos supermercados do palavreado inscrevem-no nas suas marcas brancas, entre as promoções e os descontos em cartão partidário.
O Tide da memória lava cada vez mais branco
Desdobra-se em artigos e entrevistas contra um governo democraticamente eleito, que está a ter (relativamente...) mais sucesso nas suas políticas do que alguma vez tiveram os governos de que ele fez parte ou dirigiu, quando lhe foram dadas essas oportunidades. Esquece-se do período em que ele próprio teve que pedir ajuda ao FMI e dos problemas gravíssimos que o país então enfrentou, entre os quais o empobrecimento rápido disfarçado pela inflação.
Foi um péssimo ministro numa descolonização desastrosa, um primeiro-ministro incompetente que não conhecia os dossiers, um Presidente caricato com as suas palhaçadas nas viagens de estado e sem respeito pelas suas obrigações constitucionais, pois já nessa altura fazia campanha contra o governo de então.
A origem das espécies...
Agora não há disfarces, a tragédia está à vista de todos e não é com encantações oratórias que se resolve. Mas o nosso comentador e articulista, além de muitos e variados dislates, até compara a situação actual com as conjuras e a desordem que precederam o assassínio de D. Carlos e do príncipe herdeiro, que efectivamente terminou com a monarquia constitucional. Sem esquecer o “constitucional”.
Soares vem duma tradição de conspirações republicanas, de lojas maçónicas, de grupos violentos da carbonária e outros que, após o regicídio, não faziam a mínima ideia de como se governava uma nação. A primeira república trouxe algumas boas intenções, mas muita desordem e crimes de toda a ordem. Arruinou a pobre economia existente sem lhe substituir qualquer alternativa realista, a não ser considerar seriamente a venda das colónias para ganhar mais algum tempo de desgoverno.
...e os creacionistas
Não fosse um inevitável golpe de estado militar, que acabou por levar ao poder um “padreca” astucioso que pôs as finanças em ordem e a choldra terrorista na cadeia, e esses “republicanos” teriam conseguido destruir de vez o país. Por isso o regime fascizante de Salazar nunca teve oposição significativa. A sociedade ganhou em ordem o que o povo perdeu em liberdades democráticas que na realidade nunca tinha conhecido. A população esfomeada e farta de guerras civis, aceitou a troca durante algum tempo.
A situação mudou após a segunda grande guerra, quando uma nova geração se sentiu asfixiada por um regime autoritário em apodrecimento rápido. A grande burguesia encostava-se ao Estado, como de costume. A pequena burguesia dividia-se entre os medrosos e os manhosos. Alguns intelectuais e os movimentos operários foram recuperados pelo partido comunista.
Dizer o bem...
Neste contexto, Soares teve um papel importante em dois momentos históricos. Primeiro, participou na resistência à ditadura de direita e conspirou para instaurar uma regime marxista de esquerda; foi exilado e exilou-se, mas continuou a ser um ilustre desconhecido fora das intrigas nacionais. Depois, teve um papel fundamental na resistência à tentativa de tomada de poder dos comunistas quando se apercebeu do seu papel secundário em relação a Cunhal; em tempo útil, o dinheiro dos alemães fez nascer um monstro, com o seu próprio partido para o servir.
A situação económica actual é grave no mundo, na Europa e em Portugal. Já há demasiados especialistas a opinar segundo as suas escolas de pensamento, as suas ideologias e os seus interesses, para que venham dilettantes juntar-se ao coro de ilusões de que “a política” tudo resolve. Uma política económica europeia, sim, politiquices nacionais, não.
...e o mal dizer
Contava-se em Paris que “son ami Mitterand”, que era tudo menos seu amigo, lhe chamava “le rastaquouère”, um insulto miserável vindo dum “socialista caviar”, poseur, maquiavélico e arrogante. Nessa altura a França estava cheia de emigrantes portugueses, ignorados e explorados em bidonvilles, com a excepção de alguns (poucos) privilegiados. Estavam bem um para o outro.
Neste momento, as teorias farfalhudas que levaram Holande à Presidência da França, já estão na poubelle da história. Dos grandes socialistas que ajudaram a fazer a Europa, restam alguns descendentes fortuitos sem grandeza e sem ideias.
Moral da história
Os meios de informação exploram-no agora com a mesma crueldade e falta de ética com que ele e os seus amigos por ele, exploraram os outros durante toda a sua vida política. Façam-lhe o favor e façam-nos o favor, de o deixar em paz. Ele já não se dá conta do prejuízo que causa ao país quando faz soar as trombetas complacentes dos media, para alardear os seus instintos populistas nos momentos mais inoportunos.
Se sente a necessidade de fazer funcionar os neurónios exprimindo o que lhe passa pela cabeça, pode sempre escrever um blog para os amigos, se possível com um nome improvável, pois assim não virá grande mal ao mundo...
 É altura de dizer: basta.
JSR

Tuesday, April 9, 2013

158 - As Birras do TóZé


Muitos países atravessam dificuldades. Alguns têm a cultura cívica para se comportarem de forma responsável, outros desagregam-se das formas mais dramáticas às mais ridículas. Neste último caso, de nada servem os protestos ou as lamentações, rir é o melhor remédio. Assiste-se em Portugal à infantilização da vida pública, insistindo na guerra das “narrativas”, o novo nome para as “histórias da carochinha”. Como esta:
Numa terra do fim do mundo vive uma família disfuncional.
O pai Aníbal e a mãe Assunção bem tentam manter a família unida, mas os filhos não ajudam nada. O pai é do tipo calado, puxando discretamente uma orelha a este e dando um tabefe naquele, tentando manter um mínimo de disciplina. A mãe diz coisas meio sibilinas com algumas chamadas de atenção, mas a prole é recalcitrante, malcriada, cada vez mais desobediente.
O filho mais velho, o Jerónimo, desde cedo se meteu com uma seita de seguidores das doutrinas duns alemães da firma Marx & Engels que, apesar de nunca terem apertado um parafuso na vida, escreveram manifestos contra a exploração do proletariado pelo capital. Como sempre acontece com estas seitas, enquanto os outros trabalham, os que se dizem seus defensores passam o tempo em comícios e copos, a organizar feiras, greves e manifestações. Enfim, a família tem que o aturar, mas deixou de o levar a sério e só pede que guarde para os amigos as suas diatribes sempre iguais, que toda a gente já conhece de cor.
O Jerónimo tem uma filha natural, a Heloisa, cuja mãe conheceu em Santa Apolónia durante uma das muitas greves dos maquinistas. De vez em quando, fartos de ter que cumprir horários, decidem descansar nos Verdes prados ecológicos. A rapariga saiu com verve e fala muito, como o bando a que se juntou, mas herdou a pancada genética do pai, parece um disco rachado.  
O segundo filho, o TóZé, anda furioso e os amigos dele ainda mais, porque estavam habituados a ter os brinquedos todos para eles e a não deixarem mais ninguém brincar. Mas agora, dois dos irmãos seguintes, o Pedrinho e o Paulinho, associaram-se e tiraram-lhes os brinquedos. Dizem que querem partilhar as brincadeiras, mas agora são eles que decidem quais os jogos e quando querem brincar. O TóZé não quer, acha que tem ideias melhores, mas ninguém sabe quais são. Preocupa-o sobretudo que os amigos achem que ele é um chato e prefiram um antigo companheiro de tropelias, o Pinóquio, que teve uma grave indigestão económica e foi enviado de férias para Paris a fazer uma dieta de francesinhas. O Pinóquio tem um novo apoiante, o Márinho, que na sua caquéctica velhice se esqueceu que já tinha metido o socialismo na gaveta e voltou à infância marxista. Uma confusão.
Os pais acham que estes três irmãos se deviam entender para se ocuparem dos negócios da famiglia, pois são os que têm melhores ligações aos capi de tutti capi, tanto os nacionais como os da Europa, da Igreja, da maçonaria, das secretas e de outras capelas mais discretas e ainda mais influentes. Mas ao TóZé, mal aconselhado pelos falsos amigos, deu-lhe para fazer birras.
O irmão caçula veio esperto, mas meio autista. O Chico é um contrariante, sempre com fogos de artifício verbais, implicativo e desfasado da realidade. Depois, com o seu grupo de amigos, têm uma tendência para deixar que os charros inspirem as ideologias e as decisões do grupo, ou do bloco de grupos de esquerda. Durante um dos últimos pow-wows, imaginaram que o Chico tinha “morphado” na dupla do Shrek e da princesa Fiona. Para o que havia de lhes dar.
É muito preocupante o que vai acontecer a esta família. A casa está hipotecada, o carro e a mobília também foram comprados a crédito. O rendimento não dá para pagar todas as dívidas, os Bancos impacientaram-se e cortaram-lhe o crédito. Por sorte, têm uns tios ricos em Frankfurt, em Bruxelas e em Washington, que lhes avançam uns trocos com a condição de estabelecerem um plano para reduzirem as despesas, não gastarem mais do que ganham e irem pagando o que devem.
Só o Pedrinho e o Paulinho se acordaram para por em ordem as finanças da família, com o apoio discreto mas condicional, como sempre, do pai. Todos os outros irmãos e os amigos deles, não só discordam das medidas de restrição das despesas, como protestam energicamente em todos os tons e se queixam a quem os queira ouvir. Para estragar ainda mais a situação, apareceram os padrinhos constitucionais, que vieram decidir quais as despesas da família que podem ser cortadas ou não.
Os tios ricos estão preocupados, os credores indecisos, a dupla Pedrinho e Paulinho foi pedir apoio ao pai e gostaria que o TóZé viesse brincar com eles. Mas o TóZé continua a debitar lengalengas soporíferas, amuou e não pára de embirrar. Como algumas histórias infantis, esta acaba sem moral e sem a certeza que todos vão viver felizes no futuro.
JSR

Friday, April 5, 2013

157 - O Corpo de Ballet Constitucional

Como convém a uma “prima ballerina”, chegou com hora e meia de atraso em relação à hora que tinha anunciado.
Finalmente, entrou o magnífico corpo de ballet onde são todos “primas ballerinas”, e por isso levou três meses a ensaiar a coreografia para “prime time” televisivo.
Teve o cuidado de se estatelar no palco a uma sexta-feira, depois das Bolsas de valores estarem fechadas.
Mostrou-se acima de todas as preocupações mundanas com a realidade da penúria nacional e das medidas de contenção da crise financeira.
Considerou essencial o respeito acrítico pela pauta, mesmo imprecisa, deixada pelos compositores revolucionários ou barrocos sempre atentos às vozes divinamente contraditórias das assembleias constituintes.
Declarou a sua fidelidade às interpretações dos textos sagrados feitas pelos megafones populistas.
Espera que o fim de semana atenue a preocupação dos credores com as repercussões no orçamento de estado, das encontradas violações dos princípios constitucionais.
Imagina que antes de segunda-feira se terão esgotado as declarações e especulações mais assanhadas sobre o incidente, os antecedentes e as consequências.
Sabe que tudo parece menos grave depois de um par de boas noites de sono.
Desinteressa-se que o problema continue por resolver: onde cortar nas despesas e/ou aumentar nos impostos?
Pensa, no seu esplêndido isolamento, “après moi, le déluge”...
JSR

Wednesday, April 3, 2013

156 - O Carnaval dos Animais

Assistir ao debate sobre a moção de censura ao governo, apresentada pelo Partido Socialista no Parlamento, afinal não foi apenas mais uma demonstração de “L'État-Spectacle”, como era esperado e tal como o definiu Roger-Gérard Schwartzenberg em 1977. Afinal, foi sobretudo “Le Carnaval des Animaux”, uma peça do compositor Camille Saint-Saëns, de 1886.
Foi uma manifestação do Estado-Espectáculo porque a aparência substitui a substância, a imagem substitui a mensagem. Esta moção de censura foi um tiro de pólvora seca, muito barulho para nada. Já se sabia que iria ser chumbada, para quê tanto desperdício?
Voltámos aos discursos encantatórios à maneira do século XIX, nas vozes trémulas em crescendos de oratória, ou às grandes declarações inflamadas próprias do fascismo ou do comunismo, cada qual repetindo os mesmos argumentos estafados. Desta vez, adicionando a falsa emoção que provoca a consciência de estar em directo na televisão. A telenovela parlamentar. Com demasiados actores, a maioria dos quais não serve para nada, mas é preciso dar emprego aos artistas das várias “troupes” partidárias.
Tal como no “Carnaval dos Animais” e respeitando o elenco de personagens, o espectáculo começou com a marcha real do leão, neste caso dos leões do PS e PSD, os chefes dos dois principais partidos, aplaudidos com mais ou menos entusiasmo pelas galinhas e galos das respectivas capoeiras. Diz um, o governo falhou e perdeu legitimidade para governar. Diz outro, a oposição não tem respeito pelos interesses do país, pois apresenta uma moção de censura numa altura delicada de negociações com os credores e de volta aos mercados.
Ao lado do governo, correm os velozes antílopes do CDS, difíceis de apanhar na coligação, de controlar nas escolhas políticas e ainda mais de manter na mesma direcção das escolhas orçamentais. Corre também o cisne negro Gaspar na sua própria “mare aux canards”...
Do lado da oposição, corre o elefante Assis, um dos desalinhados interiores do PS, correm as tartarugas do PC, carregadas com uma carapaça de certezas ideológicas quase seculares na sua irrelevância, correm os cangurus do Bloco de Esquerda, que saltitam por todo o lado com as suas discordâncias existenciais. Corre também o cuco Verde ao fundo dos bosques...
Após os factos, os discursos e as discussões, os aplausos e as pateadas, vem a “volière” dos comentadores, os pássaros, passarinhos e passarões, cada qual com a sua interpretação. Por vezes mais do que uma. Parece que cada um viu e ouviu coisas diferentes, ou melhor, viu e ouviu o que mais lhe convinha.
Assistem os burros, personagens de orelhas tristes e compridas, portugueses que suportam e pagam todas estas palhaçadas parlamentares.
JSR

Monday, April 1, 2013

155 - Franciscus gaudium magnum est ?

De Roma veio o anúncio: 
Habemus Papam! E um novo Papa entra nas luzes da ribalta. Os media encheram o tempo de transmissão ou as páginas, com histórias para entreter o público e imagens da magia das cerimónias, do luxo, da arte e da cor.
Todavia, parece que com a eleição deste Papa Francisco, a cúria romana vai passar por um daqueles períodos históricos em que a doutrina cristã e o poder do Papado colidem no Vaticano, com consequências imprevisíveis.
O Cristianismo é um dos pilares essenciais da civilização ocidental. O Papado teve um papel importante como herdeiro unificador da ideia europeia que restava do império romano. As estruturas da Igreja foram das raras luzes da civilização que sobreviveram durante as trevas da Idade Média.
Os Papas, representantes máximos da “Igreja triunfante”, estiveram historicamente acima dos chefes bárbaros que invadiram o Império, se converteram ao cristianismo, dividiram a Europa e substituíram a cultura positiva pela fé. Foram árbitros e por vezes vítimas das querelas entre os interesses das novas nações. Usaram a religião como arma de terror para submeter os recalcitrantes supersticiosos, ameaçando-os com as penas do inferno.
A pompa do vestuário, a magnificência das cerimónias, as imagens coloridas dos santos que substituíram os deuses tradicionais, a grandeza dos edifícios, tudo contribuiu para que as populações se mantivessem espantadas, reverentes e submissas. A aliança dos poderes temporal e espiritual reforçou-os a ambos.
No tempo presente, as monarquias que restam, nas quais se inclui o Papado, sabem que o espectáculo continua a contribuir grandemente para o seu prestígio entre os súbditos ou fiéis. Para os que são cada vez menos uma coisa e outra, o contributo económico que dão, através do apadrinhamento das empresas nacionais e o aumento das receitas do turismo que provocam, diminui as críticas à sua inutilidade ou irracionalidade.
Este novo Papa parece querer correr o risco de subverter este paradigma de negócio da “firma”, como chamam os Ingleses à sua monarquia. Se despe o manto do mistério e da distância, para ser um simples pastor, ganhará prestígio entre os seculares ocidentais, que vêm na Igreja uma organização importante de apoio psicológico e material, sobretudo nestes tempos difíceis. Diz o novo Papa que a Igreja não pode ser apenas uma NGO (organização não governamental) de assistência social e actividade caritativa. Mas esse é precisamente o maior mérito que lhe é ainda reconhecido, para além das questões de fé a que apenas alguns se entregam.
Mas é no resto do mundo que estão a grande maioria dos crentes e onde a Igreja trava as suas batalhas do futuro. Contra as seitas que se dizem cristãs mas que não são mais do que máquinas de marketing, vendendo ilusões a preços de tabela. Contra a expansão do islamismo radical, que substitui a necessidade de pensar individualmente e tomar decisões, pela obediência cega a uma doutrina simplista que comanda todos os aspectos da vida. Esta é uma Igreja militante, que não pode escolher as armas que quer, mas que necessita de usar as armas que tem.                                                                                      
Um Papa Jesuíta, da elite intelectual da Igreja, que escolhe o nome Francisco em honra de Francisco de Assis, o simples. Um Argentino opositor dos Kirchners,  que sendo dois em estado de negação da realidade, destruíram a economia para duas gerações. Um cardeal que vivia num pequeno apartamento, cozinhava as suas refeições e andava em transportes públicos. Um sumo pontífice que se considera sobretudo como bispo de Roma, um poliglota que só se exprime em italiano, uma “santidade” que graceja e diz coisas populares para as bases.
Como este Papa não é nenhum inocente em relação às intrigas romanas, esperemos que consiga evitar os ataques cardíacos, os envenenamentos alimentares ou a queda súbita de algum tecto sobre a cabeça, métodos com que os diferentes interesses da cúria resolvem tradicionalmente as tentativas de inovações perigosas ou as curiosidades incómodas.
JSR