Tuesday, May 1, 2012

102 - As Ditaduras Esquizofrénicas

May Day
Neste primeiro de Maio, com tantas tradições ancestrais de celebração dos ritmos da natureza e tantos significados espúrios mais recentes, leio num jornal que a China proibiu a exibição das cenas de nu do filme “Titanic”. Têm razão, a Kate Winslet integral não é oficialmente para os olhos dos proletários, que não a merecem.
Os proletários devem manifestar neste dia a sua satisfação por viverem num “paraíso dos trabalhadores” com marchas militares. Os que ainda são explorados pelo capital devem desfilar com bandeiras exprimindo o desejo de emigrarem para esses paraísos. Boa viagem. Mas lembrem-se que à chegada não poderão ver um filme com uma mulher nua. Entre muitas outras coisas proibidas. A não ser que sejam membros do partido ou os seus agentes empresariais, porque esses têm meios para comprar os CDs clandestinos e tudo o resto. Já que Mao tenha invocado a medicina tradicional para nos seus últimos anos se fazer aquecer por várias jovenzinhas simultaneamente na sua cama, é doutrinariamente perfeitamente ortodoxo...
Mas as ditaduras comunistas não são as únicas a limitar as liberdades individuais e colectivas duma forma esquizofrénica. Em todos os regimes autoritários as definições de moral e os atropelos a essas definições são sempre um catálogo de hipocrisias.
No Irão, os guardas da revolução dos ayatollahs assediam na rua as mulheres que não se tapam suficientemente, mas a venda de cassetes pornográficas é o grande negócio dos bazares. Situações similares acontecem noutros países islâmicos com burcas e niqabs e restrições à educação, ao trabalho e à autonomia.
Nos estados dominados pelas religiões “reveladas” de origem tribal, o patético das tradições obtusas tem-se mostrado pouco permeável ao tempo e à razão. Basta uma consulta à Wikipedia sobre o Ayatollah Khomeini, ou para ler qual o tipo de assuntos em que se especializam os “doutores” da sharia, para ter uma ideia do fosso que separa as democracias seculares desse outro mundo em que ainda vivem esses (e outros) selvagens.
A recordar o que disse Saramago sobre os “manuais de maus costumes”... e a esquecer que nunca foi viver para nenhum dos paraísos proletários tão caros aos seus correligionários. Porque sabia bem a diferença entre a “pose” para bugio ver e a realidade.
As definições de moral mudam com os tempos e com as civilizações. Mas a aplicação das suas leis e eventuais sanções variam sempre de acordo com as classes sociais. Não são só os Maos e as suas idiossincrasias. Porque são sempre os mais fracos que estão na mira dos vigilantes da obediência às práticas dominantes: as mulheres, os deslocados, as minorias religiosas, étnicas ou sexuais, os dependentes de vícios proibidos, os pensadores livres.
As ditaduras dos costumes são sempre esquizofrénicas, seja qual for a sua desculpa doutrinária. As leis iníquas e as repressões são ineficazes porque só servem para dar um estatuto social aos fanáticos ignorantes que as aplicam.
A ignorância pode ser temporária, mas a estupidez é para sempre.
JSR


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