Saturday, August 18, 2012

119 - O Cabeleireiro de Paris (Conversas Surrealistas)

Farol da Guia, Cascais
Por muito igualitário que intelectualmente se queira ser, as diferenças entre os sexos caiem-vos em cima de todos os quadrantes. E não é só la petite difference. A maioria dos machos vulgaris Linnaeus desiste de compreender como funciona o cérebro da outra metade da espécie aí por volta do fim da adolescência. A partir desse raro momento de lucidez, é como ser apanhado nas correntes marinhas, ou se nada com a corrente e se sobrevive, ou se nada contra e se vai ao fundo.
Um recente exemplo aconteceu na pastelaria da Casa da Guia, entre Cascais e o Guincho, que faz as melhores torradas da zona. Chá e torradas, tomava também um grupo de senhoras na mesa do lado. Falavam todas ao mesmo tempo como as madrilenas, embora contrariamente às madrilenas, se conseguisse compreender o que diziam.
- Ele é óptimo, nunca tive um corte tão bem feito, vale cada um dos Euros que cobra para cá vir de Paris.
(Quer isto dizer que pagam para que um cabeleireiro venha de Paris? Como o personagem do Eça que ia a Londres comprar uns sapatos?! Hum, isto parece propaganda, esta senhora é de certeza uma mercenária).
Espreitadela tão discreta quanto possível.
(Conheço esta cara, mas donde? Ah, mas não será esta criatura que, segundo as cusquices dos suplementos que vêm com os jornais de fim de semana, está contratada  para fazer publicidade a uma clínica de cirurgia estética? Aparentemente enxertaram-lhe na cara a pele do rabo de um bebé. Será que li bem? Então agora andam a tirar a pele dos rabos dos bebés para enxertar na cara das senhoras de idade?! Não pode ser... ou pode?).
- O meu cabelo é comprido, não mudou muito. Mas realmente parece que me está a cair melhor...
(Mas... mas... esta já a vi num debate na televisão, muito senhora do seu nariz, é a... uma empresária muito em voga, não me lembro de que ramo).
- A mim disse-me para não pintar os meu cabelos brancos, fazer só umas madeixas louras, acha que o blond cendré me fica bem.
(Uma das “tias da Linha”, pois, fica-lhe muito bem o ar de avozinha, que é exactamente o que ela é, além de fazer parte da “maioria silenciosa” do Parlamento. Blond cendré... louro cinza uma ova, branco com farripas cor de manchas de tabaco. Ouvem falar em blond cendré e pensam que são a Ingrid Bergman).
- É... não sei não... deu aqui umas tesouradas, aparou um pouquinho, ficou mais curto deste lado, puxou o cabelo assim, mais nada, dez minutos e vai embora... Talvez não se veja tanto num cabelo comprido, mas o meu é curto e ele não sabe cortar... É... ele não presta mesmo...
(Boa, apareceu alguém capaz de quebrar o espelho da pirosice e dizer que “o rei vai nu”. Parece que estamos outra vez no período entre o Rei Sol e Napoleão, quando as cortes europeias importavam os friseurs de Paris).
Os homens envelhecem sem cair nestas trapaças. Quando muito compram um Porsche descapotável ou um barco à vela...
Irreconciliáveis diferenças.
JSR 

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