Friday, February 8, 2013

146 - Os Estrangeirados

Agora que o mundo é pequeno, poucos são os lugares verdadeiramente isolados. De qualquer sítio se pode ter um acesso global à informação e se pode contactar com quem quer que seja, desde que existam os meios tecnológicos correspondentes.
Todavia, não há solidão maior do que aquela que pode sentir quem regressa ao seu país de origem após um longo período de ausência. Agora como em séculos passados. Mesmo que a recepção dos seus compatriotas seja calorosa, mesmo que as amizades estejam intactas. A partir da mesma base, os ciclos de vida levam a experiências diferentes e portanto a construções mentais diversas, sejam convicções, hábitos ou opiniões. Restam poucos interesses comuns, para além da nostalgia de um tempo em que todas as esperanças eram permitidas.
Nos reencontros, comparam-se experiências e cada um pergunta a si próprio como teria sido a sua vida se tivesse seguido o mesmo caminho que aquele do colega de Escola, do amigo do Liceu ou do companheiro de activismo político na Universidade.
Os que partiram, perguntam-se como seria ter passado uma vida tranquila rodeado dos amigos no lugar onde nasceu, casar com alguém que conheceu desde sempre, reunir a família aos Domingos e ver crescer os filhos e depois os netos? Como seria ter seguido uma carreira profissional no seu país e conseguir a respeitabilidade do professor, do médico ou do juiz, ver os resultados materiais da criatividade do arquitecto, do músico ou do artista plástico, ou ter o “panache” do marinheiro ou do militar?
Os que ficaram, interrogam-se como seria ter saído do país e seguido uma carreira internacional, competir com os melhores cada dia de cada ano, desgastar-se em viagens incessantes, ter uma casa aqui e outra acolá, um filho em cada lado, ter que planear os encontros de família como se fossem cimeiras ?
A relva parece sempre mais verde no jardim do vizinho... Por isso alguns ficaram partindo, ou seja, partiram ocasionalmente em comissões de serviço diplomáticas, militares ou académicas.
Voltar às origens é sempre um processo difícil, a adaptação é demorada, sempre incompleta e por vezes conflituosa. Os estrangeirados não se podem impedir de avaliar os acontecimentos duma perspectiva global, por isso têm alguma dificuldade em compreender as controvérsias estritamente nacionais ou as angústias nas decisões de carácter local. O maior handicap está em encontrar pontes de comunicação com quem ficou, devido à importância diferente que cada parte dá aos acontecimentos e à forma como se podem resolver.
A quem está numa perspectiva nacional todas as dificuldades parecem originais, únicas, extraordinárias. Quem tem uma perspectiva mais vasta pode ter conhecido situações semelhantes e daí extrapolar para o que pode acontecer e quais as alternativas. Mas é sempre difícil fazer passar a mensagem. Veja-se o que se passa presentemente com os ministros das finanças e da economia, com o conselheiro do governo António Borges e muitos outros menos mediáticos.
Existem de facto “ventos da história”, como existem ciclos económicos, como existem acontecimentos imprevistos e “cisnes negros”. Para um português estrangeirado, voltar e encontrar o seu país em crise é só mais uma, não só historicamente mas até durante o período duma vida. Todos os países têm crises, duma natureza ou doutra. Mas nada é permanente, tudo acaba por passar.
O que é importante, é que tanto os que ficaram como os que voltam, tenham a humildade e sabedoria de aceitar que cada um tem a sua chave, de peso igual, para abrir as portas do reencontro. Seja apenas para ter a satisfação de trocar as histórias das memórias comuns, das pessoas, dos lugares, dos sabores, dos cheiros e das vistas partilhadas. Seja para avaliar o que mudou e ainda bem, o que devia ter sido feito e não foi, o que devia ser protegido e se estragou. Em qualquer dos casos, participar para conseguir melhor.
JSR

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