Saturday, February 23, 2013

149 - Os "Calhordas" - As Indignações, os Factos e as Acções

A minha irmã Luísa enviou-me um texto duma amiga, advogada e escritora setubalense. O texto é uma resposta ao que a autora entende como sendo a soberba das declarações dum banqueiro, sobre a injustiça de um paradigma que protege os poderosos e esmaga os mais indefesos. Um texto que, na sua essência e independentemente de alguns excessos, toca na nossa corda sensível da solidariedade social.
 Não por acaso, essa amiga é também dirigente do Bloco de Esquerda, um movimento político que, a meu ver e com a devida consideração, é uma espécie de “sarna” da democracia portuguesa, no sentido de fazerem questão de que nenhum poder esteja ao abrigo das suas críticas. Acutilantes nas intervenções, indignados com todas as injustiças, incómodos para os responsáveis políticos, mas... inúteis na procura de soluções para os graves problemas do país.
Contrariamente ao Partido Comunista, em relação ao qual até se pode sentir por vezes uma certa nostalgia (como quando ainda se encontra uma velha Renault 4 na auto-estrada, que, enfim, tenta acompanhar o trânsito, mas já fez o seu tempo e agora não dá mais do que aquilo, só serve para atrapalhar), o Bloco não, não são mamutes lãzudos congelados na tundra soviética, são náufragos dos movimentos marxistas falhados, trotskistas, kerenskistas, maoistas e outros “istas” a quem não falta inteligência, mas sim maturidade e bom senso.
Todos os jovens que aprendem a pensar racionalmente e a avaliar as injustiças do mundo que os rodeia, têm uma fase idealista, onde cabem todos os irrealismos e todas as utopias. Depois, sem perderem a generosidade, espera-se que aprendam a lutar por aquilo que podem mudar e a viver com aquilo que os ultrapassa. No Bloco estão os que não querem crescer, mas que aprenderam como pode ser agradável e popular protestar contra tudo. Assim como as vantagens de não ter a responsabilidade de propor e ainda menos de implementar soluções realistas.
Criticar é fácil, fazer é outra coisa. Como dizia em tempos um amigo polaco de Krakow, anti-comunista antes da queda do muro de Berlim: “Every time I’m jailed for questioning, on the way out every friend wants to pay me a beer and every pretty girl wants to sleep with me (de cada vez que sou preso para interrogatório, quando saio todos os amigos querem pagar-me uma cerveja e todas as raparigas bonitas querem dormir comigo)”... A última vez que o encontrei foi numa reunião em Paris, era ele ministro das finanças e ao fim do dia, no Bofinger, confessou: “I’m losing my hair, my beard is white and at the end of the day I’m so tired that even my secretary leaves me alone (estou a perder o cabelo, a minha barba está branca e ao fim do dia estou tão cansado que até a minha secretária me deixa só)”.
Como é que um partido político se torna popular? Descrevendo os casos mais dramáticos e protestando contra a situação das pessoas, das famílias e do país. Cada qual vem com o seu problema ou com a sua revolta. Para quem perde o trabalho, ou para quem perde a casa, mas também para quem se sente esbulhado por impostos confiscatórios, é difícil ou impossível esquecer a sua situação pessoal para escutar argumentos macroeconómicos acerca da situação do país. Querem lá saber de outra coisa que não seja se a tal possível luz ao fim do túnel vem já amanhã, no próximo fim da semana ou o mais tardar daqui a um mês.
Isso resolve alguma coisa? Não. Mas protestar aquece o coração com os sentimentos da bondade e da superioridade moral. Pode-se até ganhar eleições. Não só em Portugal, mas em todos os países latinos, onde a tradição religiosa de acreditar em milagres impede o freio da razão e o pragmatismo de procurar soluções, em vez de passar o tempo em lamentações aos deuses e a clamar aos céus em manifestações de rua.
Qualquer governo responsável, seja o que está hoje no poder ou aquele que a oposição poderá formar amanhã (não interessa o que dizem os partidos para ganhar eleições, prometem tudo e o seu contrário, porque há sempre papalvos que acreditam), só faz aquilo que é possível. E é aí que uns se revelam mais competentes que outros.
O requisitório contra qualquer governo é fácil de fazer: Não é uma selecção nacional dos melhores. Pois não. Mas os que têm mais experiência e talvez, um grande talvez, fossem melhores, não aceitam fazer parte do governo. Por muitas razões, a mais importante das quais é que as medidas necessárias em tempo de crise são impopulares, exigem muito trabalho, dão cabo da vida privada e da saúde a qualquer um. Olhem para os membros dum governo durante um período difícil e reconhecem-se os ministros que mais trabalham pela rapidez com que envelhecem diante dos nossos olhos. Como o meu amigo polaco.
O poder corrompe, quem manda no país tem grande poder e são muitos os interesses a pressionar e se possível a corromper. Nem sempre conseguem, mas conseguem vezes suficientes para ocasionalmente serem apanhados. Mas mesmo assim escapam às punições e voltam a tentar. Neste contexto, as declarações do banqueiro criticado pela amiga da minha irmã não têm nenhuma importância.
 Importantes são os escândalos financeiros, os desastres do BPP e do BPN, o triste papel da CGD, as PPPs e particularmente as SCUTs, o vai e vem entre governantes e as empresas que favoreceram, os proprietários de casas obrigados a pagar os custos da política de habitação social e arruinar os centros das cidades (com o consequente desaparecimento do arrendamento e a classe média escravizada para comprar casa), o encerramento do IGAL (a fusão da Inspecção Geral da Administração Local com a Inspecção Geral das Finanças) e o juiz Orlando Nascimento, último Inspector-Geral da IGAL, a escrever que “a corrupção ganhou”. Importante é que o buraco negro da Justiça esteja cada vez maior e vá engolindo tudo o resto.
Estas são razões mais do que suficientes para que a maioria dos cidadãos percam a confiança nas instituições democráticas nestes tempos de crise. Mas o que se pode fazer? Apesar de todas as dificuldades, os países têm que tentar sobreviver (e nem todos conseguem). Durante uma tempestade, se estamos todos no mesmo barco é preciso deixar o capitão comandar e a tripulação trabalhar.
O meu avô materno contava uma história sobre os “calhordas”, nome que ele dava aos desesperados que durante as tempestades provocavam o pânico entre os  passageiros com as suas lamentações, predições de desastre e até revoltas. Impediam a tripulação de fazer as manobras e assim podiam causar a perda dos navios, das vidas e dos bens. Os capitães das naus na carreira das Índias mandavam-nos atirar pela borda fora.
JSR

4 comments:

  1. Acho estranho justificar o seu texto como uma resposta a um texto alheio (nem sequer devidamente referenciado) que lhe teria sido cedido por uma outra pessoa a quem teria sido enviado originalmente e que criticava declarações de um tal banqueiro. E depois também traz o seu amigo polaco e o seu avô materno à baila com as histórias deles que você não conta para não nos maçar, apresentando apenas o sumo dos ensinamentos por si recolhidos. Realmente precisa de muita gente para dizer o que pensa. Mas o que pensa, no fundo, parece simples:

    1. Que o “pessoal” imaturo do bloco de esquerda é a sarna da nossa democracia, com a devida consideração por serem inteligentes.
    2. Que os comunistas, em contrapartida, sendo burros e antiquados lhe trazem uma nostalgia automobilística quando pensa neles dentro do seu moderno Audi, ou BWM ou Mercedes ou uma coisa atual dessas.
    3. Que os jovens bons e racionais são utópicos, como o “pessoal” do bloco de esquerda.
    4. Que o “pessoal” que luta intransigentemente por ideais, pagando inclusive com a perda da liberdade, está é na mira das cervejas grátis e do engate fácil.
    5. Que a vida nos ensina a sermos sensatos e a não criticarmos quem nos governa, ainda mais em situações difíceis, muito menos perdermos tempo em lamentações e manifestações e maçadas desse género que nos fazem perder tempo e atrapalham quem governa afincadamente.
    6. Que se nota na aparência imediata dos governantes os que realmente dão o litro e que abdicam dos regabofes da gentalha comum.
    7. Que o “pessoal” referido, tirando o seu amigo polaco e o seu avô materno, é "calhordas" e que devia emigrar ou ser expulso do país.
    8. Que afinal você, como os “calhordas”, também nota aquelas coisas que refere e que “são razões mais do que suficientes para que a maioria dos cidadãos percam a confiança nas instituições democráticas nestes tempos de crise”.
    9. Mas que afinal não quer notar porque quem sabe são os nossos governantes que estão lá para isso. Eles para governar e nós para ser governados. Cada um no seu cantinho.

    Só não disse o que pensa das declarações do dito banqueiro, mas a gente tira-lhe pinta.

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  2. Caro BDias,

    Tenho por norma não responder a comentários anónimos, tanto neste espaço como em qualquer outro, mas acho que o seu texto é sincero e não merece ser ignorado.

    - Chamo a atenção para o facto de que este é o meu blog e não tenho que justificar o que escrevo ou deixo de escrever. Sou tão democraticamente livre de escrever o que me apetece, como são livres os leitores de ler, ignorar ou comentar. Por isso agradeço o seu comentário.
    - Indico a autoria do texto a que me refiro suficientemente bem para a mesma possa responder e identificar-se, se assim o entender. Dar-me-ia muito gosto, nada é tão estimulante como um bom debate de ideias, mas não me permitiria, em relação a uma pessoa de quem gosto e que respeito, de tomar essa iniciativa.
    - Pode ter a certeza que penso pela minha cabeça, o que me trouxe por vezes os maiores problemas e contribuiu para que tenha emigrado em 1972. Sim, sou um estrangeirado que só voltou há pouco.
    - Mas aprendi a humildade de reconhecer que não nasci com a sabedoria infusa e que devo muito aos meus mestres de todos os quadrantes filosóficos e políticos, incluindo aqueles que não souberam evoluir. Porque ninguém tem o monopólio da verdade (embora alguns pretendam ter e por isso acabam mal).
    - O meu avô, a minha família materna, são a ligação a Setúbal, cidade onde nasci mas pouco vivi e esta é uma história de personagens setubalenses.
    - O meu amigo polaco foi mencionado por estar em contra-ciclo, o que francamente, ou se percebe ou seria demasiado longo explicar.
    - Por outro lado, fico contente por achar o meu pensamento “simples” e por ter compreendido perfeitamente onde eu queria chegar:
    - É um direito democrático, poder exprimir opiniões e manifestar desacordos. Desde que dentro das regras que a própria democracia estabelece.
    - Quando o voto popular elege um governo, é para governar o melhor que puder e souber durante o período que a Constituição estabelece. A oposição tem o seu papel, que deve ser desempenhado também de acordo com a Constituição. Exigir com violência na rua que o governo se demita, impedir os governantes de se exprimirem (por muito detestáveis que sejam), criar uma imagem de desordem para o exterior, são atitudes anti-democráticas.
    - Não imagine aquilo que não sabe. A minha “ternura” pelos Renault 4 comunistas tem geralmente lugar dentro de um Honda com 13 anos de idade, a precisar igualmente de uma actualização...
    - Ah, já agora, também se engana em relação ao tal banqueiro: embora a comunicação social tenha truncado, e portanto deturpado, aquilo que foi efectivamente dito, acho que ele perdeu uma boa oportunidade de ter ficado calado.

    Espero voltar a ter o prazer de o ler e de saber quem é.
    JSR

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  3. Adorei a crónica de hoje.Fala de coisas minhas contemporâneas apesar de expectador um pouco alheado.Tantos ensinamentos. Tantos"istas" alguns mais conhecidos que outros e "catalogados" duma forma com a qual concordo.Hoje enriquecida com um interessante comentário e o respectivo contraditório.Foi pena não terem ambos comentado a história dos capitães das naus "democraticamente" enviar borda fora os "calhordas". Adorei.

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  4. Jose Soromenho-RamosMarch 3, 2013 at 12:17 PM

    É verdade Manuel, pensava que mais alguém iria morder esse "isco" do "borda fora"... Por "enviar pela borda fora", quero significar apenas o dever que têm todos os estados de direito de defender o bem comum dos cidadãos, quando está em risco a autoridade das instituições democráticas e a sua própria sobrevivência como estados.

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